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Proibição de celulares nas escolas gera debate sobre o equilíbrio entre tecnologia e aprendizado

O projeto de lei que proíbe o uso de celular nas escolas, até mesmo nos intervalos, segue em tramitação na Congresso Nacional para ser votado

Por Mirella Araújo Publicado em 11/11/2024 às 13:19

A proibição do uso de telefone celular e de outros aparelhos eletrônicos portáteis por alunos da educação básica em escolas públicas e particulares, inclusive no recreio e nos intervalos entre as aulas, foi aprovado na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, mas segue em discussão no Congresso Nacional. 

O texto aprovado é o substitutivo do relator, deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), ao Projeto de Lei 104/15 do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), e a outras 13 proposições que tramitam em conjunto e tratam do mesmo assunto. A proposta tramita em cárter conclusivo na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Casa, e ainda será preciso ser aprovada pelos deputados federais e pelos senadores. 

Além de proibir o uso, o texto proíbe também o porte de celular por alunos da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, como forma de proteger a criança de até 10 anos de idade de possíveis abusos.

A proposta autoriza, por outro lado, o uso de celular em sala de aula para fins estritamente pedagógicos, em todos os anos da educação básica. Permite ainda o uso para fins de acessibilidade, inclusão e condições médicas.

O Ministério da Educação (MEC) defende que o uso dos aparelhos seja apenas para fins pedagógico por entender que a escola é um espaço importante para a cidadania digital, garantindo que crianças e adolescentes tenham uma aprendizagem de qualidade.

Bom uso das tecnologias nas escolas

O secretário de Educação do Recife, Fred Amancio, afirmou ser favorável à proibição do uso de celulares em sala de aula. No entanto, ele enfatizou a importância de se equilibrar essa medida com o uso responsável das tecnologias no ambiente escolar. Para o secretário, as ferramentas digitais são cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas e têm o potencial de enriquecer o processo de ensino-aprendizagem, desde que utilizadas de maneira adequada e para fins pedagógicos.  

"A própria Base Nacional Comum Curricular prevê a importância do uso da tecnologia e da inovação, permitindo que o jovem, em seu processo de aprendizagem nas diferentes áreas do conhecimento — e não estou me referindo apenas à disciplina de tecnologia — possa realizar esse processo de experimentação com o uso da tecnologia, pois ela também torna o aprendizado mais agradável e interessante", destacou o secretário em entrevisa á coluna Enem e Educação.

No Recife, a gestão fez um grande investimento para garantir que toda a rede municipal tenha acesso à internet de banda larga e à rede de fibra ótica. Todas as escolas contam com smart TVs, foram entregues tablets para os estudantes e notebooks para os professores - que recebem formações contínuas sobre a temática tecnológica -, além da inclusão de programas de robótica e programação no currículo. 

Entretanto, sobre a questão do uso de celulares nas escolas, Fred Amancio afirmou que o uso do dispositivo eletrônico pode ser utilizado de forma estratégica e pedagógica nas atividades escolares desde que previamente planejado.

"Em um determinado momento, os professores podem, sim, utilizar o celular para realizarem atividades com os estudantes. Contudo, isso deve ser previamente planejado. Mesmo que o uso de celular em sala de aula seja proibido de forma pessoal, essa proibição não deve ser absoluta, mas sim relativa, desde que a atividade seja mediada pelo professor", disse o secretário.

O professor Luciano Meira, que também é psicólogo e atua na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) nas áreas de educação, inovação e empreendedorismo, apontou que, no geral, é positivo o projeto de proibir o celular em sala de aula. "Mas não há uma estratégia pedagógica adequada”.

Em sua avaliação, existem recursos nem uma política de formação docente para usar de forma pedagógica os dispositivos móveis. O pesquisador considera ainda que a proibição é uma forma inclusive de se apoiar as famílias que estariam perdidas diante da invasão do celular no dia a dia dos filhos.

"Mas, ao mesmo tempo, você concorre para o aumento da desigualdade. Às vezes, a escola é o único lugar onde muitas crianças teriam acesso a tecnologias digitais sofisticadas. E, com a proibição, isso as afasta das redes de ensino e da possibilidade de capturar artefatos digitais. Não adianta só proibir”, declarou Meira em entrevista à Agência Brasil,durante participação no festival REC'n'Play.

Discussão precisa ter apoio das famílias

Uma pesquisa realizada pela Nexus revelou que 86% dos brasileiros apoiam algum tipo de restrição ao uso de celulares no ambiente escolar, enquanto apenas 14% da população se opõem a medidas que limitem a utilização desses aparelhos nas escolas.

A aprovação é dividida entre 54% que defendem a proibição total e 32% que são a favor de um uso restrito, limitado a atividades pedagógicas e com autorização prévia do professor. O levantamento, que ouviu 2.010 pessoas com mais de 16 anos, também observou uma tendência de maior apoio à proibição total entre pessoas com renda mais alta, especialmente aquelas com ganhos superiores a cinco salários mínimos.

Em Pernambuco, a utilização de aparelhos celulares e equipamentos eletrônicos nas salas de aulas, bibliotecas e outros espaços de estudo das instituições de ensino públicas e particulares, é regulamentada pela Lei Nº 15.507, em vigor desde 2015.

Segundo a legislação, é proibido o uso de celulares nas salas de aulas, exceto com prévia autorização para aplicações pedagógicas; e nos demais espaços, exceto se no “modo silencioso” ou para auxílio pedagógico.

De acordo com a especialista em Educação Inclusiva e Coordenação Escolar, mestre em Psicologia pela Universidade Autónoma de Madrid, Daniela Sobral, essa discussão precisa contar com ampla participação dos pais e responsáveis pelas crianças e adolescentes.

"Não adianta existir apenas uma legislação sem que haja uma reflexão sobre o que está sendo imposto. Isso envolve toda a natureza de uma legislação, para que possamos entender que elas existem para nos organizar como sociedade. Quando pensamos nessa proibição, estamos abordando questões que, de fato, impactam profundamente o processo de desenvolvimento da criança e do adolescente", pontuou Daniela, que também é vice-diretora pedagógica do Colégio Apoio do Recife.

As consequências do uso irrestrito do celular vão desde a distração dos alunos em sala de aula até o impacto na qualidade do sono e na saúde mental, além de prejuízos nas habilidades sociais.

"Estamos em um alerta mundial em relação ao uso desse dispositivo móvel, e não se trata apenas do uso das tecnologias de forma geral. Precisamos discutir mecanismos de forma coletiva e com um consenso social, para que essa lei seja efetivamente implementada no nosso cotidiano", declarou Daniela Sobral em entrevista à coluna Enem e Educação

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