Decreto do Governo Federal determina R$ 300 para endividados sobreviverem e revolta representantes dos direitos do consumidor
Decreto presidencial prevê que seja preservado, por mês, o valor de apenas 25% do salário mínimo para subsistência do cidadão na negociação de dívidas

Em vigor desde julho de 2021, a Lei do Superendividamento modificou o Código de Defesa do Consumidor, criando medidas para prevenção do endividamento, além da capacidade de pagamento.
Além disso, estabelecia procedimentos de conciliação para a negociação das dívidas do consumidor superendividado.
Um dos avanços da lei, por exemplo, foi permitir que a pessoa possa desistir de um empréstimo consignado em até sete dias após a assinatura do contrato, sem indicar o motivo.
Apesar da lei aprovada, faltava regulamentar um valor mínimo que não pudesse ser comprometido após a renegociação das dívidas e que garantisse a sobrevivência da pessoa após ser estabelecido o valor das parcelas para pagamento da dívida.
No último dia 27 de julho, o Governo Federal publicou um decreto que estabelece o chamado "mínimo existencial" no valor de 25% de um salário mínimo.
A decisão faz com que instituições como bancos e financeiras possam utilizar quase toda a renda do consumidor para o pagamento de dívidas e juros, sobrando cerca de R$ 300 para as despesas básicas como alimentação, transporte, moradia, etc.
Advogada diz que decreto governamental ameaça negociações de grandes dívidas
Danyelle Sena, advogada especialista em defesa do consumidor, explica que, antes da lei, toda pessoa que tinha dívidas não tinha um amparo legal para a negociação.
"Por exemplo, não existia obrigatoriedade do credor em parcelar a dívida em até cinco anos ou diminuir as taxas de juros para facilitar o pagamento. Isso era uma mera liberalidade de uma mesa de negociação. A lei garantiu esse prazo estendido".
Para Danyelle Sena, a lei do superendividamento trouxe condições para que pessoas superendividadas possam negociar suas dívidas sem comprometer o que ele chama de mínimo existencial.
"Imagine uma pessoa que ganha salário mínimo e deve a três bancos, cartão de crédito e um financiamento. Na hora de negociar, um faz uma parcela de R$ 500, outra de R$ 300, outra R$ 200... só isso já era o salário dele".
O problema, segundo a advogada, é que agora o decreto presidencial fixou um valor mínimo muito baixo para o que vai "sobrar" depois da dívida negociada.
"Você está em um país com mais de 30 milhões de superendividados, consegue, depois de cinco anos de luta de entidades de defesa do consumidor, aprovar uma lei que protege essas pessoas de uma negociação abusiva, mas vem um decreto pra dizer que o comprometimento do mínimo existencial pode chegar a 25% do salário mínimo. Ou seja, só sobram R$ 303. Como alguém vai sobreviver por até cinco anos com essa quantia? Na prática, inviabiliza a aplicação da lei do supreendividado que é permitir que o cidadão que tem boa fé consiga pagar suas dívidas", diz, indignada Danyelle Sena.
Entidades criticam decreto
O Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), divulgou a discordância do decreto aprovado recentemente e que entra em vigor em 27 de setembro próximo.
“Agora pense se isso é possível. Como pagar o aluguel, a conta de energia, de água, o condomínio, comprar comida, água para beber, gastos básicos com saúde e educação com R$ 300? É isso que o governo Bolsonaro diz ser factível”, afirma a coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Idec, Ione Amorim.
Segundo o IDEC, o decreto aprovado não tem embasamento em estudos e desconsidera contribuições de setores importantes da sociedade civil feitas durante a audiência pública convocada pela Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) em outubro de 2021 para debater o tema.
Naquela oportunidade, o Idec apontou que a eventual definição do mínimo existencial a partir de um teto fixo ocasionaria o desvio da finalidade principal da Lei do Superendividamento, tornando-a contrária à dignidade das pessoas superendividadas.
Nesse sentido, também propôs que a definição do mínimo existencial deveria ocorrer por meio de um índice capaz de mensurar as principais variáveis que afetam as condições de sobrevivência das pessoas, como gastos com habitação, saúde, alimentação, transporte, educação, entre outros.