
Muitos investidores ou famílias, têm receio de comprar um imóvel na planta por medo de não ver a obra concluída no tempo previsto. Pior ainda é correr o risco de perder todo o investimento feito, caso haja algum problema financeiro grave com a construtora responsável pelo empreendimento. A alternativa para este tipo de problema está na gestão compartilhada, também conhecida por condomínio por obra. Na prática, significa a mudança da gestão financeira dos edifícios em construção, que sai do CNPJ da construtora, para um outro CNPJ aberto pelo condomínio formado pelos compradores das unidades. Neste cenário, a construtora passa a ser uma prestadora de serviços.
Gustavo Mota, especialista em direito imobiliário e sócio no Portela Soluções Jurídicas, afirma que o modelo traz mais garantias, porém, mais responsabilidades para quem adquiriu os imóveis porque eles passam a gerir a conta única da obra, através do condomínio criado para este fim. "O condomínio de obras nada mais é do que você dividir as despesas de construção por igual para todos os condôminos".
Gustavo Mota explica ainda que uma das dificuldades de constituir um condomínio de obras é convencer aqueles investidores que já pagaram 100% do empreendimento continuarem investindo até a conclusão total do prédio. "O que procuramos esclarecer é que antes você havia comprado seu apartamento pelo regime de administração onde o dinheiro pago ia para a conta da construtora. Agora, toda a receita vai para a conta específica da obra, e o adquirente vai ter uma segurança, uma autonomia e uma garantia que a receita relativa ao seu apartamento vai ser injetada no seu empreendimento, com garantia do cronograma de obras e do recebimento da sua unidade", afirmou Mota.
JUSTIÇA
Esse tipo de administração por obra certa pode ser adotado pela construtora ou incorporadora no momento de lançamento do empreendimento. Ou pode ser adotada posteriormente, incluindo empresas em recuperação judicial. "Geralmente as construtoras trabalham no sistema de caixa único, com o faturamento de todas as obras indo para uma mesma conta. O dinheiro de uma obra pode até ir para outra em estágio mais adiantado, por exemplo. Já no regime de obra certa, ou condomínio de obra, cada empreendimento tem um CNPJ e uma conta próprias", diz Gustavo Mota. O advogado diz ainda que o custo final costuma ser menor, porque a racionalização das despesas passa a ser uma preocupação dos investidores. Nesses casos, em que é estabelecido um condomínio e instituída uma comissão com representante eleito pelos proprietários, ambos recebem um token de acesso à conta bancária onde são feitos os depósitos dos valores pagos pelos adquirentes.
Outra grande vantagem do condomínio de obras é que os casos de inadimplência são resolvidos rapidamente. Após a realização da assembleia que constitui o condomínio, é enviado uma notificação para os compradores de imóveis que estão inadimplentes, salientando que eles têm 30 dias para pagar o débito. Caso a dívida não seja paga, o apartamento irá à leilão extrajudicial no prazo de até 60 dias. "A intenção não é tomar o apartamento de ninguém, e sim, entregar as obras", diz o advogado.
A construtora pernambucana Dallas tem três empreendimentos no regime de condomínio de obras. De acordo com Gustavo Mota, a constituição do condomínio tem dado resultados concretos. Ele conta que a Dallas vinha sofrendo quedas no faturamento desde a crise financeira de 2015, chegando a registrar, em 2017, 75% de inadimplência entre os clientes, muito antes de pedir recuperação judicial, em 2019. "Provavelmente a inadimplência surgiu com a queda do poder aquisitivo dos clientes, que não conseguiram manter o pagamento das mensalidades. Isso fez com que a construtora perdesse receita e não conseguisse finalizar as obras. Quando pedimos na Justiça a conversão em condomínio, vimos que era a saída para termos receita novamente e retomar as obras com a entrega garantida", diz Gustavo.
CLIENTE
José de Brito, engenheiro aposentado, 60 anos está vivenciando a experiência de ver seu imóvel sendo finalizado, depois de quase ver todo o seu investimento ir por água abaixo. Em 2013, ele comprou na planta um apartamento de 2 quartos, no bairro de Boa Viagem, Zona Sul do Recife. O imóvel era pra ter ficado pronto em 2017, mas desde 2015 a obra já vinha dando sinais de que não iria terminar no prazo. "Comecei a sentir que a obra estava em ritmo menor, e como já tinha pago cerca de 70% do imóvel, deixei de pagar, para ver quais seriam as providências. A construtora então contratou um escritório de advocacia para fazer a recuperação judicial. Em uma assembleia nos apresentaram os cálculos de como seriam as condições para terminar a obra. A conclusão é que com R$10 milhões o prédio ficaria pronto, mas havia R$ 5 milhões para correr atrás. Tinha gente que devia até 50% do imóvel", contou o aposentado.
Era preciso fazer um aporte, ou seja, pagar um valor a mais do que o previsto incialmente. "Eu encabecei o movimento para que nós assumíssemos a obra porque, aquela altura, era melhor perder 10% do que 100%. Uma parte dos compradores concordou, outra parte não. Principalmente gente que havia quitado o apartamento e que não queria pagar aporte nenhum. O aporte então foi dividido em 24 vezes. Nem todos pagaram mas, com o dinheiro arrecadado, avançamos muito". Brito revela que o edifício está 90% concluído, isso depois de ter parado alguns meses durante a pandemia. "Se todo mundo tivesse pago, o prédio talvez já estivesse pronto. Aí veio o sistema de condomínio com a grande vantagem da agilidade em poder cobrar os inadimplentes, que antes você não tinha como cobrar", comemorou Brito.
"Hoje a obra é nossa. Somos 100% responsáveis pela obra e pelos recursos. Foi eleito um síndico e um conselho fiscal. A construtora só usa o dinheiro da conta com a nossa autorização. Ainda estamos com uma inadimplência entre R$ 3 milhões e R$ 4 milhões, mas muitos condôminos estão nos procurando para parcelar a dívida, até porque podem perder os apartamentos. É importante que a obra não pare, para que não haja vandalismos", diz ele, completando que o prazo de entrega é de 24 meses. "Para todos os prédios nessa situação de inadimplência, ou atraso nas obras, eu acho que só tem essa saída, entrar no sistema de codomínio para terminar a obra. Não adianta ter raiva da construtora e ter prejuízo", diz com convicção.
Comentários