A prática liberal de João Campos e o dilema político do PSB
Em entrevista ao Sistema Jornal do Commercio, o prefeito do Recife falou sobre a gestão da capital e destacou concessões que estão sendo realizadas.
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A entrevista concedida pelo prefeito João Campos (PSB) ao Sistema Jornal do Commercio na última sexta-feira (19) chamou atenção bem menos pelo tom político e mais pela ênfase administrativa e pela palavra mais repetida em toda a conversa: concessão.
Parques, orla marítima e Avenida Guararapes apareceram como exemplos de um modelo de gestão que aposta fortemente na participação da iniciativa privada. O que é muito bom porque aponta para modernização administrativa. Trata-se de uma escolha estrutural que ajuda a entender o desenho da administração municipal do Recife nos últimos cinco anos.
Existe a concessão dos parques, da orla, da Guararapes, existem parcerias com o setor privado na educação, na habitação e na reocupação do centro.
Modelo
Na prática, João Campos conduz a Prefeitura sob um viés liberal de gestão, ainda que preserve um discurso progressista de esquerda alinhado à tradição do PSB.
O prefeito é hoje presidente nacional de um partido socialista, herdeiro político de Eduardo Campos e Miguel Arraes, mas sua administração está distante de qualquer concepção clássica de estatização ou protagonismo exclusivo do Estado. O que chama atenção.
O que se vê é um gestor de centro, pragmático, que utiliza instrumentos de mercado para viabilizar políticas públicas.
O curioso é que isso aponta para o futuro na prática e cria um problema político para seu grupo. Como criticar as práticas liberais dos adversários, como sustentar as críticas dos aliados de esquerda aos oponentes que defendem a mesma coisa?
É onde entra a estratégia do "minha concessão é mais bonita que a sua". Durante a entrevista, quando falou sobre a concessão dos serviços da Compesa para universalizar água e saneamento, a partir de um leilão realizado esta semana, o prefeito ficou impedido de criticar, mas fez questão de levantar "dúvidas sobre a eficiência" e sobre o risco de "aumento de preços".
É a saída. Resta saber como será utilizado isso em 2026. Porque dentro de uma gestão que quer se vender como moderna, as opções são admitir a necessidade de participação do setor privado ou enterrar-se sobre os escombros das utopias de 40 anos atrás.
Pragmatismo
Esse caminho, das concessões e das parcerias com o setor privado, dialoga diretamente com o perfil do eleitor brasileiro.
Estudos como o que está no livro "Brasil no Espelho", do cientista político Felipe Nunes, indicam que a população tende a ser conservadora nos costumes e pragmática na economia.
Há apoio majoritário à participação da iniciativa privada na prestação de serviços e na gestão de espaços públicos, sobretudo quando isso resulta em eficiência perceptível. O eleitor, no plano local, tende a julgar menos a ideologia e mais o funcionamento concreto da cidade.
Não há como fugir disso. E Campos, apesar dos aliados à esquerda, sabe.
Limites
O discurso de que o Estado deve operar sozinho todas as políticas públicas ganhou força em determinados momentos da história recente, mas enfrenta desgaste quando a conta chega ao contribuinte sem retorno visível.
A ausência de justiça social não está na parceria com o setor privado, mas na má alocação de recursos públicos, frequentemente capturados por interesses políticos ou administrativos que pouco dialogam com o cidadão comum.
Paradoxo
É nesse ponto que surge o principal paradoxo político de João Campos. Enquanto a Prefeitura do Recife amplia concessões e parcerias, o prefeito adota postura crítica em relação ao modelo de concessão da Compesa, por exemplo, defendido pelo Governo do Estado.
O argumento é o risco de prejuízo ao consumidor e à população. Ocorre que risco existe em qualquer contrato de concessão, seja na água, seja nos parques ou na orla. A diferença não está no modelo em si, mas na qualidade dos contratos, na transparência e na capacidade de fiscalização do poder público.
Projeção
O Recife funciona hoje como um laboratório de um modelo que atravessa fronteiras ideológicas. Um partido de origem socialista administra a cidade com ferramentas liberais porque responde a um eleitor que cobra resultado.
Esse desenho ajuda a compreender não apenas a gestão municipal, mas também tendências mais amplas do debate nacional sobre Estado, mercado e eficiência. E isso vai entrar na eleição de 2026.