O pronunciamento do presidente e o generalismo amplo com pose e sem prazo
A arte de dizer o que um grupo específico quer ouvir, sem se comprometer com nada em específico e nem comprometer acordos políticos e partidários.

Se um dia existiu tabu sobre o governo Lula (PT) realizar pronunciamentos oficiais, originalmente destinados à informação formal do povo brasileiro, com estética de campanha partidária, isto não existe mais. O vídeo gravado e editado para o último dia do trabalhador poderia ser enquadrado como parte de um guia eleitoral, sem nenhum problema.
Todo o roteiro, junto com a edição de imagens e o jogo de câmeras foi feito com o objetivo de vender a imagem de Lula e não apenas transmitir uma “mensagem aos trabalhadores”. Completaria o vídeo, tranquilamente, a frase “no domingo, vote 13”. Mas se fosse assim o véu judiciário ficaria comprometido, enquanto ornamento ativo. Melhor preservar.
Para a militância
A escala 6x1 entrou no script de Lula apoiada firmemente no bom e velho "generalismo amplo com pose e sem prazo". Disse o presidente: “Nós vamos aprofundar o debate sobre a redução da jornada de trabalho vigente no país, em que o trabalhador e a trabalhadora passam seis dias no serviço e têm apenas um dia de descanso. A chamada jornada 6 por 1. Está na hora do Brasil dar esse passo, ouvindo todos os setores da sociedade, para permitir um equilíbrio entre a vida profissional e o bem-estar de trabalhadores e trabalhadoras”.
Nenhuma medida concreta, nenhum projeto anunciado, nem mesmo a determinação de formar um “Grupo de Trabalho”, que é a ferramenta preferida dos gestores que não têm interesse em encontrar solução. Tem um problema que eu não quero discutir? Forma um grupo de trabalho. Mas nem isso foi anunciado.
Foi só um aceno à militância, nada além. E até a própria militância sabe que as intenções de Lula são tão concretas quanto vapor e purpurina.
Calendário
Lula aproveitou o momento também para reforçar a meia verdade de que seu governo está combatendo a corrupção no INSS, como se houvesse uma força tarefa formada pelo governo para combater as fraudes contra os aposentados e pensionistas.
Na verdade, as fraudes aumentaram 300% quando o governo Lula assumiu, em 2023. A explosão chamou a atenção dos órgãos de controle de ação independente, embora vinculados ao Governo Federal, como CGU e Polícia Federal. Mas o presidente, oficialmente, só soube da operação na manhã em que ela estava acontecendo.
Foi, porém, um dado na fala de Lula o que mais chamou a atenção. É que ele disse que as fraudes começaram em 2019 (primeiro ano de Bolsonaro). Ele omitiu que as investigações apontam o início dos descontos fraudulentos desde 2016, no governo de Michel Temer (MDB). Ficou a dúvida sobre a intenção desse “equívoco”.
Seria porque o MDB de Temer, hoje, voltou a ser aliado do governo e está preparando uma federação com Republicanos ou PSD que pode deixá-lo ainda mais forte? Já que se ia contar uma verdade pela metade, o que custa aliviar para um aliado político também, né?
Sonho meu
No discurso de Lula, o que também entrou no ramo do “generalismo amplo com pose e sem prazo” foi o ressarcimento para os aposentados e pensionistas roubados pelas associações e sindicatos em conluio com funcionários do INSS.
O presidente disse assim: “Determinei à Advocacia-Geral da União que as associações que praticaram cobranças ilegais sejam processadas e obrigadas a ressarcir as pessoas que foram lesadas”.
Na prática, ele disse que “mandou a AGU tomar providências”, mas a verdade é que nem a AGU sabe como vai fazer isso e nem quando. O governo está preocupado porque vão faltar R$ 10 bilhões para pagar as contas em 2027 e não tem condições de assumir mais essa dívida.
Ninguém acredita também que processando os sindicatos a AGU vai “encontrar” R$ 6 bilhões, no mínimo, para cobrir as fraudes. Quem espera justiça nesse caso talvez se dê por muito satisfeito se alguém for preso ou se o esquema de fraude for interrompido. Todo o resto é sonho.