Mais dinheiro e menos holofote: ser deputado é melhor que ser ministro
Basta pegar o orçamento para perceber que as receitas ficam mais comprometidas na origem. Ministro executa sem decidir quase nada. Já o deputado...

Em 2022, os deputados e senadores tiveram acesso a uma fatia de R$ 16,8 bilhões a serem pagos através de emendas individuais no orçamento do país. Em 2023, esses valores já eram de R$ 28,9 bilhões. Em 2024 houve mais um salto e as emendas, impositivas, somaram R$ 33,6 bilhões.
Quando esse dinheiro é dividido, garante que um deputado tenha, como teve no ano passado que foi um ano de eleições municipais, quase R$ 40 milhões para serem distribuídos com gestores de municípios que lhe prometessem apoio na próxima eleição, em 2026. E estamos falando apenas das emendas individuais.
Mais dinheiro
Ainda têm as emendas de comissão, aquelas indicadas por um colegiado e que são polêmicas porque ninguém sabe quais deputados estão indicando e nem qual a relação deles com o destino da verba. Há casos de dinheiro do pagador de impostos sendo usado em benefício de parlamentares e seus familiares, por exemplo. Para essa modalidade, em 2024 foram reservados mais R$ 15,4 bilhões. Fora isso, ainda tem a emenda de bancada, que desde 2019 é impositiva, de pagamento obrigatório, garantindo mais R$ 8,5 bilhões no orçamento para serem utilizados pelos deputados e senadores.
E mais dinheiro
Os benefícios não param por aí. Quem detalha é o próprio site da Câmara Federal, por exemplo: os parlamentares têm direito a “salário; duas ajudas de custo, uma no início e outra no final do mandato, no mesmo valor do salário (Decreto Legislativo 172/22); auxílio-moradia ou uso de apartamento funcional; e atendimento médico e odontológico”. E tem mais: “para despesas relativas ao exercício das atividades do mandato, os deputados também têm direito a uma Cota Parlamentar e podem utilizar o serviço gráfico da Câmara. Com os recursos da Verba de Gabinete, podem contratar funcionários para trabalhar em seu gabinete, em Brasília ou no estado”.
E ainda mais dinheiro
No total, somente com esses benefícios, fora as emendas, cada deputado vai custar aos maternais cofres públicos algo em torno de R$ 3,2 milhões este ano. A Câmara inteira, com 513 deputados, custa R$ 1,6 bilhão em um ano. E além do retorno financeiro, ser deputado possui um benefício adicional que é a possibilidade de sumir, desaparecer entre cinco centenas de indivíduos complacentes e solidários a qualquer movimento de proteção do grupo. Você pode se envolver em polêmica e basta mergulhar dos holofotes um pouco para que esqueçam rapidamente de você. Como é que se faz isso sendo ministro?
Ministro
A vantagem político-financeira de ser ministro era ter o poder de direcionamento de verbas, aos parlamentares. São os ministros que executam obras e ações relacionadas aos territórios eleitorais de interesse deles próprios e dos parlamentares. Os ministros eram procurados pelos prefeitos e pelos deputados ligados a esses prefeitos, todos com os pires nas mãos aguardando a benevolência, nunca gratuita, dos que comandavam as canetas. Isso acabou quando as emendas foram ficando mais e mais impositivas. Se o dinheiro, obrigatoriamente, será destinado para as ações e municípios que o deputado indicou, ele não precisa mais adular o ministro.
É um “assinador”
Além disso, basta pegar o orçamento do país para perceber que a cada ano as receitas ficam mais comprometidas na origem. O dinheiro que entra já tem destino certo. A margem de manobra dos ministros é mínima. Quando ele vai assinar um cheque, normalmente, o destinatário já chega impresso, sem que ele possa participar em muita coisa além da assinatura. E, para além de tudo isso, o sujeito ainda fica sozinho quando a crise chega, sem ter onde se esconder. Ninguém lhe dá abrigo.
Currículo
Ser ministro é uma experiência excepcional para colocar no currículo. Imagine chegar numa entrevista de emprego dizendo que foi ministro de estado, o segundo cargo mais importante do Poder Executivo da República. Serve até para ganhar votos numa eleição. Mas só vale se você conseguir terminar seu período sem ser preso ou ao menos sem ter sido demitido por causa de algum escândalo. Ajuda também se antes de ter sido demitido você não tiver passado semanas sendo fritado publicamente pelo chefe que tenta evitar o desgaste político de lhe demitir, esperando que você se demita.
Esqueçam de mim
Ministro não tem onde mergulhar quando a situação complica. Os colegas em outros ministérios, que não estão em número suficiente para disfarçar sua existência, querem mais é que você se complique mesmo, porque é comum que eles também precisem de um alívio dos holofotes e das cobranças habituais por resultados e verbas sobre as quais eles vivem fingindo que ainda têm controle. Quanto menos as pessoas lembrarem que os ministros existem, melhor para os ministros. É a realidade da maioria.
Anunciou…
Um exemplo muito claro de tudo o que foi dito aqui é o de Juscelino Filho. Passou mais de um ano sendo fritado, virou manchete em jornais nacionais várias vezes por investigações de falcatruas que teria cometido quando estava exercendo o cargo de deputado federal. Ao virar ministro, suas relações familiares vieram à tona, o destino das emendas de quando era parlamentar ficou em evidência e todo mundo queria descobrir algum escorregão novo dele para publicar. Depois de ser demitido, volta à Câmara e desaparece. Nunca mais se soube de seus processos. Se um dia chegar a ser condenado vai haver quem pergunte: “esse era quem mesmo?”.
…virou manchete
Não é por acaso que o primeiro nome indicado, escolhido e anunciado pelo governo para substituir Juscelino no ministério das Comunicações, Pedro Lucas (UB/MA), mandou agradecer e avisou que preferia continuar deputado. Bastou o nome dele ser cogitado para sua trajetória começar a ser escrutinada. Ele pulou fora rápido e mergulhou entre os colegas de Câmara para desaparecer o mais rápido possível. O novo ministro, confirmado por Lula (PT), mal assinou o termo de posse e já tinha uma manchete dizendo assim sobre ele: “Frederico de Siqueira Filho é réu em ação por improbidade administrativa e empregou o primo da esposa em estatal”. Ele não era deputado, então topou o ministério, mas o preço é alto.
Sonho
Há uma frase que este colunista ouviu de um parlamentar e fez ainda mais sentido após a recusa do deputado Pedro Lucas ao convite de Lula para ocupar um prédio da Esplanada: “É melhor ser deputado do que ser ministro e é melhor ser presidente da Câmara do que ser governador na maioria dos estados”. O ideal seria um cenário em que o Legislativo legisla e o Executivo executa, que houvesse mobilidade do orçamento para direcionar às áreas que realmente precisam no país e que os agentes públicos fossem tão honestos ao ponto de não temerem as manchetes de jornal. Mas aí é pedir demais.