Cena Política | Análise

O ministro da Previdência estar confortável é um sinal de alerta

A expressão que o ministro encontrou durante sua entrevista para deixar claro que não pretende pedir demissão por causa do escândalo incomoda.

Por Igor Maciel Publicado em 28/04/2025 às 20:00

Em uma entrevista no fim de semana, o ministro da Previdência Carlos Lupi (PDT) admitiu que ficou sabendo em 2023 das fraudes no INSS por mais de uma fonte. Questionado sobre não ter feito nada, disse que no serviço público as coisas são mais demoradas.

"No governo, tudo é demorado. Eu sabia o que estava acontecendo, das denúncias. Eu sabia que estava havendo um aumento muito grande (dos descontos nas aposentadorias), que precisava fazer uma instrução normativa para acabar com isso, e comecei a me irritar pela demora. Só que o tempo no governo não é o tempo de uma empresa privada", justificou o ministro para, em seguida, dizer que segue “confortável” no cargo.

Conforto é algo relativo em se tratando de um crime e não traduz a sensação de estar incólume num episódio tão grave. A expressão que o ministro encontrou durante sua entrevista para deixar claro que não pretende pedir demissão por causa do escândalo incomoda.

O conforto

Guardadas as proporções devidas e com advertência de que não se trata de uma comparação entre indivíduos ou condutas, até presidiários cumprindo pena podem se sentir confortáveis na cadeia, depende dos benefícios a que tenham acesso. O ministro Lupi dizer que está confortável após milhares de aposentados e pensionistas terem sido roubados, admitindo que tinha informações sobre os roubos desde 2023, sem nada fazer de efetivo, preocupa bastante.

Ainda que não haja, e ninguém diz haver, prova de que Lupi tenha participado do esquema, a expressão deveria ser tratada com escândalo, não com normalidade.

Sinceridade?

Num país que estivesse disposto a ser sério (o Brasil não está ainda), Lupi teria ficado muito desconfortável e colocado o cargo à disposição do presidente Lula (PT), sem chance para voltar atrás.

Ter um cargo público de alto escalão neste país e não estar desconfortável com subordinados sendo afastados pela Justiça e bilhões de reais afanados de aposentados e pensionistas sob o seu nariz é algo extremamente preocupante.

Se o sentimento de conforto é sincero e não apenas um jogo de cena, precisamos falar sobre isso com muito cuidado.

Quem quer

O que leva alguém a estar em posição tranquila numa realidade como esta? Pode ser apenas descrença na opinião pública, acreditando que hoje se relativiza a falha mais do que se pune o erro. A certeza da impunidade conforta, claro.

Outro aspecto é o momento ruim do governo Lula, que já chegou a ter convites para ministérios recusados. “Se ninguém quer o meu lugar e ninguém quer participar do governo, porque eu preciso me preocupar?”, é o que pensa alguém confortável num cargo como esse, numa situação como a dos últimos dias, mesmo em meio a uma investigação por corrupção.

Preocupa

Para estar confortável nessa situação, é necessário ter muita certeza de que nada poderá lhe atingir. E isso é um perigo em essência.

Pessoas confortáveis demais em situações de crise, ocupando um cargo de poder e responsabilidade, e até admitindo uma suposta prevaricação, deveriam assustar qualquer República. Quando o conforto é grande demais, a tragédia é certa.

Mendonça e a Segurança

A escolha de Mendonça Filho (UB) pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça para relatar um dos projetos mais importantes de todo o restante do governo Lula (PT) na Câmara não foi por acaso. Mendonça é um crítico frequente do governo e o União Brasil, partido dele, é também a sigla do único governador que se opôs ao projeto, Ronaldo Caiado (UB).

Qualidade do tom

A escolha se deu, entretanto, porque o parlamentar pernambucano é respeitado até pelos adversários e costuma estar muito bem embasado nas reclamações que faz contra os petistas. Como o tema é muito sensível, um bolsonarista com discurso raso seria desacreditado pela bancada governista.

Sendo Mendonça Filho, por mais que ele seja oposição, a discussão muda de tom.

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