Uma breve reflexão sobre o processo que sustenta o Brasil
O Brasil é um sujeito míope, de bicicleta, numa chuva forte. Ele não encontra sua casa, bate nos postes, mas sabe que só chega se seguir pedalando.

Dos sete presidentes brasileiros desde a redemocratização, três já foram presos em algum momento nos últimos anos. Se a condenação de Bolsonaro (PL) prosperar, teremos o quarto e atingiremos a maioria.
O fato de Lula ter sido presidente três vezes conta muito para essa proporção absurda. Ele, inclusive, foi um dos presos. Michel Temer (MDB) e Fernando Collor, este último preso na sexta-feira (25), completam a lista.
Ainda assim, as instituições seguem funcionando. O que faz o Brasil ter presidentes com cerca de 50% de chance de serem presos ao fim do mandato e ainda assim conseguir manter sua estabilidade institucional nesta nova república que começou com a eleição de Collor em 1989?
Isso pode ser explicado, em parte, pela confiança no processo. O processo é a única coisa que sustenta a credibilidade do povo no país.
Só o processo…
Quando o resultado não é o esperado, costumamos nos agarrar ao processo. Há também um certo temor pela obscuridade imposta em regimes não democráticos e que vivemos há poucas décadas. A ideia é: “não está bom, mas poderia ser pior”, então vamos confiar no processo.
O Brasil é como um sujeito míope, durante uma chuva forte com raios, pilotando uma bicicleta. Ele não encontra a própria casa, bate nos postes e se machuca, mas sabe que só vai chegar se continuar pedalando e seguindo em frente.
O brasileiro ainda acredita no processo e é muito importante que ele seja preservado.
…sustenta o Brasil
O que é o processo que sustenta a esperança do brasileiro? Tem a ver com qualidade de vida, acesso a uma existência minimamente confortável, confiança na alternância de poder como catalisadora de mudanças, eleições democráticas livres, justas e confiáveis. Tem a ver com sensação de segurança urbana e segurança fiscal.
Questionar o sistema de votação brasileiro é um ataque direto ao processo que sustenta esse país confuso e algo que precisa ser coibido com toda a força possível. Mas escândalos de corrupção também produzem essa mesma revolta contra o processo e, igualmente, precisam ser apurados e os responsáveis devem ser, dentro dos limites da lei, reduzidos a restos de pó.
A corrupção precisa ser encarada como um crime contra a democracia também, igual ao crime por tentar desacreditar as urnas eleitorais.
Ambas as ações desestabilizam o processo de pedalar para tentar chegar a um destino seguro.
Sobre Collor
Fernando Collor foi preso quando, segundo sua defesa, já estava no aeroporto se preparando para ir se entregar em Brasília. Alexandre de Moraes não quis arriscar e mandou buscá-lo. Por enquanto, está preso na PF em Maceió, aguardando que o STF confirme a prisão.
Dos 11 votos, quatro já confirmaram, mas Gilmar Mendes pediu que o julgamento acontecesse no plenário físico (estava sendo realizado no virtual), então a decisão vai demorar um pouco mais. Até resolver, o ex-presidente seguirá no xilindró.
Fenômeno
Collor deveria fazer um curso ensinando como protelar decisões judiciais. É um profissional nisso também. Passou as últimas três décadas sendo acusado de tudo e não sendo condenado por nada. Quando a condenação chegou, em 2023, ainda conseguiu arrastar uma decisão final até esta semana, em 2025. Pela condenação, o ex-presidente e ex-senador deverá cumprir pouco menos de 600 dias em regime fechado dos 8 anos e 10 meses a que foi condenado. É um fenômeno.
Azarada sorte
Collor só vai ser preso, aliás, porque era senador quando o processo começou. Se não tivesse prerrogativa de foro especial na época, teria sido julgado pela Vara de Curitiba, por Sergio Moro. Seria condenado inicialmente, mas depois estaria com todas as acusações anuladas, igual aconteceu com os outros “santos” envolvidos no Petrolão.
Como era senador e foi julgado pelo STF, protelou muito mas acabou condenado. Vai cumprir pena, enquanto os outros “inocentes” já estão curtindo a vida.