Cena Política | Análise

Comunicação tenta vender narrativa de Lula como paladino contra a corrupção

A construção de narrativas é uma maneira de municiar os militantes para que eles se convençam e convençam a opinião pública. Acontece com o INSS.

Por Igor Maciel Publicado em 24/04/2025 às 20:00

A fraude no INSS, que ocasionou o afastamento e demissão do presidente do instituto, ativou um recurso de construção de narrativas que o PT sempre usou nos primeiros governos de Lula, mas parecia ter esquecido completamente.

A construção e adequação de narrativas sempre foi uma maneira de tentar conduzir a opinião pública por um caminho que fosse mais benéfico para a imagem da gestão, mesmo em grandes crises. A expressão “nunca na História desse país” que virou um elemento caricato do lulismo é um fator dessa estratégia. Todo escândalo acontecia porque “nunca na história do país Lula havia realizado algo que o fazia ser perseguido”.

Narrativas

A construção e adequação de narrativas é uma maneira de municiar os militantes para que eles se convençam e convençam a opinião pública. Funcionava e sustentou a base eleitoral de Lula até mesmo quando ele foi preso.

O Mensalão? “Lula foi traído e de nada sabia”. O Sítio? “Não era dele porque não tem o nome dele na escritura”. O triplex no Guarujá? “Nunca foi dele”. Condenado? “Perseguição das elites”. Processos anulados? “Não, ele foi inocentado”.

É quase como se estivesse o tempo inteiro andando sobre um fio de nylon, tentando sobreviver aos fatos que sopram de um lado para o outro. Para sustentar essas teses é preciso ter pessoas repetindo isso o tempo todo e pressionando a opinião pública até virar “verdade” pelo cansaço.

INSS

O método tem muito a ver com o que está acontecendo no caso do INSS agora. Nas primeiras horas da quarta-feira (23) quando o presidente da República foi informado sobre a investigação da Polícia Federal, o ministro da Comunicação Social, Sidônio Palmeira, convocou os colegas ministros para uma reunião.

Alí foi definido o rumo da estratégia. A ideia é garantir a narrativa de que “Lula descobriu o escândalo, que a origem está nos governos anteriores, mas imediatamente mandou demitir o presidente do INSS”, por “não aturar corrupção em seu governo”.

Reunião

Sidônio avaliou, para os outros presentes na reunião, que a fraude tinha potencial explosivo porque mexe com aposentadoria e pensão de pessoas pobres. A narrativa a ser espalhada é de que “os descontos irregulares aconteciam desde 2016, quando Temer (MDB) era presidente, seguiram durante o governo Bolsonaro (PL) e, quando Lula assumiu, começou a investigar”.

Lula seria aquele que estava “acabando com a corrupção dos governos anteriores”. Em menos de 24h após a reunião, entre demissões e entrevistas, petistas de todo o Brasil foram orientados a lutar para que essa narrativa prevalecesse espalhando isso de todas as maneiras.

Orquestrado

Às 9h da manhã do dia 24 este colunista postou um vídeo nas redes sociais falando sobre o escândalo. Em minutos, minhas caixas de mensagem haviam sido inundadas por textos que continham basicamente o mesmo enredo: “Por que você não diz que as fraudes são de antes e o Lula é quem está acabando com o roubo?”. A maioria chegou ornamentada com xingamentos, palavrões e questionamentos sobre eu ser um “jornalista ruim” porque não digo que a fraude era dos outros e Lula era o salvador.

Não ficou apenas nas redes abertas. No meu celular privado chegaram mensagens de pessoas que são ligadas a diretórios do PT. Os textos eram basicamente os mesmos, com exceção da maioria dos palavrões. “Você tem que dar informação completa, foi no atual governo que a investigação avançou”, apelavam.

Ok, lá vai

Se é assim, tudo bem. Vamos com a “informação completa”. Acontece que a investigação começou no atual governo porque foi no atual governo que os roubos ultrapassaram todos os limites e chegaram a um patamar escandaloso.

Para se ter uma ideia, entre 2016 e 2022 a média de descontos de associações e sindicatos nos benefícios dos aposentados e pensionistas era de R$ 500 milhões por ano. Nos anos de 2023 e 2024, quando Lula assumiu para o terceiro mandato, essa média subiu para R$ 2,07 bilhões ao ano.

O valor dos descontos (roubo) no dinheiro dos aposentados e pensionistas triplicou quando Lula assumiu. De 2016 até 2022, a soma de todos os descontos ao longo de sete anos chegou a R$ 3.8 bilhões.

Já no governo Lula, em apenas dois anos, bem menos que a metade do período anterior, foram descontados irregularmente R$ 4.1 bilhões dos aposentados.

Irmão

Vamos com mais informações completas. Havia associações, ligadas a sindicatos, que não tinham nenhum associado em 2022 e apareceram, em 2023, com mais de 300 mil filiados, descontando dinheiro da aposentadoria deles.

Quer outra “curiosidade” para melhorar a completude? Um dos sindicatos que faziam desconto de aposentados é comandado por Frei Chico. Sabem quem é ele? Irmão do presidente Lula (PT). Agentes da PF fizeram busca, apreensão e descredenciamento do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos. Frei Chico é diretor vice-presidente da entidade.

Roubo é roubo

Antes a fraude era pequena e não era nada demais? Errado. Roubo é roubo, seja de um tostão, de um milhão ou de um bilhão. Era roubo durante o governo Bolsonaro e continua sendo roubo agora.

Mas a investigação não começou porque Lula mandou e sim porque os números extrapolaram no governo dele e a Controladoria Geral da União começou a investigar após provocação ao TCU de um parlamentar do Republicanos, ligado ao centrão, dentro de uma comissão parlamentar que era presidida pela bolsonarista Bia Kicis (PL). (Sobre isso, Fernando Castilho traz detalhes na coluna JC Negócios, aqui neste JC)

Não foi porque Lula queria “acabar com a farra dos presidentes anteriores”, mas porque os bandidos, que roubavam o dinheiro desde 2016, embarcaram numa certeza de impunidade que os fez ampliar muito a fraude. Se a certeza de impunidade foi garantida pelo presidente do INSS, nomeado no governo Lula e agora demitido, é algo que a PF irá ou não provar.

Confiou

Lula não é acusado de nada. É difícil de acreditar que Lula soubesse de algo ou que estivesse ganhando dinheiro. Não se trata disso. Dessa vez, até agora, a honestidade do petista nem está sob escrutínio e nem é esperado que esteja. A participação de Lula nesse caso, ao que tudo indica, foi apenas confiar em pessoas que não são de confiança.

Mas daí a dizer, como alguns estão tentando imprimir, que ele é o paladino que deflagrou o combate à corrupção, já é forçar muito a barra. Principalmente porque ele não sabia de nada. E é bom que ele realmente não soubesse de nada dessa vez.

A CGU é um órgão independente, como é independente a Polícia Federal e, até onde se sabe, Lula foi informado sobre a operação apenas na manhã em que ela aconteceu. Se ele soubesse antes e, conforme a militância tenta vender, fosse o responsável pela ação, estaríamos diante de outro escândalo.

Demorou

Surpreende que a estratégia de criação de narrativas na comunicação só tenha sido encenada novamente agora. Se a gestão Lula tivesse reativado essas construções de realidade desde o início talvez a popularidade do governo estivesse melhor.

É que você pode questionar a ética e a moral na criação de narrativas, mas não sua eficácia. Se não fosse algo eficaz, o presidente nem seria Lula, ele não estaria no terceiro mandato depois de ser até preso e nem seria cotado para a reeleição e para um quarto governo.

A realidade, como mostram os números que este texto trouxe, é amarga, por isso desprezada. Que importam os números? Amanhã, os xingamentos chegarão outra vez.

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