A entrevista esquisita com um ministro constrangido após fraude bilionária
Na entrevista convocada pelo Planalto ficou uma dúvida sobre Carlos Lupi estar chateado com o subordinado investigado ou com a investigação da PF.

Quando se trata de roubo de dinheiro público, a percepção condiciona a resposta. A fraude no INSS descoberta pela Polícia Federal e anunciada esta semana tem potencial explosivo como escândalo e, se repercutir pouco, será por incompetência da oposição que já deu incontáveis mostras de sua inépcia.
As fortunas desviadas nos escândalos do Mensalão e Petrolão têm apelo geral, porém são pouco populares porque é difícil para a população entender o caminho de tanto dinheiro. Mas quando alguém está roubando pequenas quantias das contas dos aposentados, como nesse escândalo do INSS, o crime é mais palpável. É fácil de entender. Bilhões são coisa de elite, mas os centavos são do povo.
Esquisita
O governo sabe tanto do impacto que isso pode ter que mobilizou rapidamente uma entrevista coletivas. O momento, porém, foi um dos mais esquisitos dos últimos tempos (e olha que no governo Bolsonaro o esquisito era rotina).
Colocaram três ministros (Justiça, CGU e Previdência) mais o chefe da Polícia Federal à mesa. Inicialmente, todos falaram e apresentaram um resumo do que estava na pauta. Foi sobre a investigação e sobre como o governo Lula estava lidando com a situação. O único que não falou nada foi o principal ministro da história toda. O chefe da pasta de Previdência, que cuida do INSS, Carlos Lupi (PDT), ficou calado no início da entrevista, com um braço sobre a mesa e outro largado à lateral do corpo, como quem estivesse, em fim de expediente, esperando uma cerveja no bar, aparentando derrota e cansaço.
Ele ouviu todos os colegas falarem e só falou algo na parte final, quando foi provocado pelos jornalistas. E aí é que foi ainda mais estranho, porque parecia que estava sendo "tutelado".
Ajudinha
Quase toda pergunta que se fazia a Carlos Lupi era precedida pelo titular da pasta de Justiça, Ricardo Lewandowski, que puxava o microfone para si como se estivesse tentando guiar a resposta que seria dada pelo colega e somente na sequência a palavra de Lupi era liberada pela mesa.
O ministro da Justiça é um jurista, advogados costumam fazer isso quando é possível para criar marcadores nas respostas de seus clientes. Mas o ministro da Justiça não é advogado e Lupi não é cliente dele, que se saiba.
Apenas depois, nas respostas do ministro da Previdência, entendeu-se o que podia ser motivo de preocupação. É que Lupi não estava à vontade, claramente constrangido e abalado. Podia falar algo que prejudicasse o governo.
Ferrari
O ministro da Previdência admitiu que foi o responsável pela indicação do então presidente do INSS, já afastado pela Justiça, mas em seguida começou a defender o currículo do servidor, tentando garantir que se tratava de "alguém competente". Depois ainda disse que ele já era dos quadros federais e apenas promoveu ele.
Alessandro Stefanutto, que cuidava das aposentadorias no instituto, é suspeito de fazer parte de um esquema envolvendo cobranças indevidas feitas por entidades em contas de pensionistas e aposentados do INSS.
As fraudes são bilionárias, outros funcionários do setor foram afastados e a operação da Polícia Federal apreendeu carros de luxo, inclusive uma Ferrari e um Porsche. Não é uma “bobagem” e muito leva a crer que não se trata de simples incompetência na burocracia, mas corrupção, e "bastante dolosa", embora a investigação ainda não esteja concluída.
Demissão
Minutos depois dessa entrevista esquisita, correu a informação de que o próprio presidente Lula mandou demitir Stefanutto. Mas a demissão demorou a ser oficializada porque Lupi, chefe direto dele, era quem tinha que assinar a ordem.
Durante a coletiva, o ministro Lupi estava claramente desconfortável com a situação. Não se sabe se estava constrangido por ter colocado num cargo tão importante o aliado (que era do PSB e se filiou ao PDT recentemente) ou estava contrariado com a investigação. Ficou uma dúvida sobre ele estar chateado com o subordinado investigado ou com a investigação da Polícia Federal.
Dependendo da resposta sobre essa questão, até Lupi precisaria ser demitido do cargo que ocupa.
Cáustico
A investigação ainda corre em sigilo e não há informação oficial sobre o tamanho da participação do ex-presidente do INSS nas fraudes, nem se ele recebia propina para fazer vista grossa aos descontos fraudulentos no dinheiro dos aposentados, mas a pressão do Planalto para que ele fosse demitido o mais rápido possível enquanto Lupi, meio abalado, ainda tentava defendê-lo, passa uma ideia de que a situação é muito mais feia do que o que foi divulgado até o momento.
Foram mais de R$ 6 bilhões descontados irregularmente para entidades privadas, das aposentadorias de beneficiários que em sua maioria recebem um salário mínimo, com participação de servidores públicos, num governo cuja narrativa diária é dizer que “trabalha pelos mais pobres”. Pode ser cáustico.