O Vaticano está preocupado com as redes sociais no Conclave
Falar a verdade sem esconder nada, até mesmo episódios de vômito e espasmos brônquicos do Papa, foi a solução contra a mentira nas últimas semanas.

O Papa Francisco operou muitas mudanças nos ritos da Igreja Católica, sempre buscando mais simplicidade e uma aproximação da instituição com as pessoas que estão, como ele dizia, às margens do mundo. Modificou até a liturgia de seu próprio funeral e o tipo de caixão em que será enterrado. Em seu pontificado mudou também a comunicação, a maneira como a igreja se relaciona com o público, mais direta e objetiva.
Uma mudança, porém, baseada em maior transparência e exposição do Santo Padre enquanto estava doente, foi ocasionada pela desinformação em massa das redes sociais. Falar a verdade sem esconder nada, até mesmo episódios de vômito e espasmos brônquicos do Papa, foi a solução para combater a mentira.
Detalhes
Antes, esses detalhes nunca eram relatados para preservar a imagem do representante maior da Igreja. Há pouquíssimas informações sobre os detalhes dos procedimentos médicos pelos quais passou o Papa João Paulo II, por exemplo.
Até mesmo maiores detalhes sobre a saúde do Papa Bento XVI são conhecidos apenas por informações não oficiais.
O que provocou a mudança é que, em busca de engajamento social, pessoas começaram a publicar todo tipo de teoria da conspiração relacionada à saúde de Francisco.
Falsos
A empresa Cyabra, especializada em identificar e combater desinformação, fez um trabalho para o Vaticano nos últimos meses e apontou o problema. Em março, quando o Papa já estava doente, foi constatado que 31% das contas que discutiam o estado de saúde dele na rede social X eram falsas.
A empresa chegou a divulgar que “mais de 1140 perfis não autênticos geraram coletivamente 1387 publicações e comentários, espalhando narrativas falsas nas plataformas de mídia social”.
“Morto” antes de morrer
Nessas contas falsas, 41% das menções eram negativas, sempre com ceticismo ou ataques hostis ao Vaticano. As publicações diziam que o Papa havia morrido, que um sósia estava sendo utilizado e a Igreja estava “escondendo o corpo”. Falava-se até em “golpe comunista” na Igreja.
Um tiktoker italiano chegou a entrar no hospital em que Francisco estava internado e filmou uma ala vazia para dizer que o Santo Padre não estava lá e havia morrido. Gerou engajamento, atraiu atenção, faturou com a mentira e nunca voltou ao assunto quando o pontífice fez aparições públicas em seguida.
Foram esses episódios, ocorridos há algumas semanas, que intensificaram a reação do Vaticano, divulgando todo tipo de detalhe, evitando esconder até quantas injeções o Papa tomou para manter o compromisso com a verdade e eliminar qualquer dúvida.
Bloqueadores
A estratégia de defesa seguirá durante o Conclave, porque a preocupação aumenta. As autoridades do Vaticano andam tensas com a influência que as redes sociais e a desinformação podem ter na escolha do próximo Papa.
Durante a última votação, quando Jorge Bergoglio foi escolhido, já havia um temor, mas o medo principal era relacionado ao uso de celulares para atualizar notícias do mundo externo, não havia o temor de que essas notícias fossem falsas ou criadas com o objetivo específico de desestabilizar e interferir nas votações.
Na época, foram implantados bloqueadores de sinal nos locais em que eles estavam. Por mais que os cardeais sejam impedidos de ter contato com o mundo exterior, o Vaticano achou melhor garantir.
Política
Agora, a desinformação de influencers tentando faturar com engajamento popular deve fazer com que a estratégia seja intensificada, mas esse nem é o maior risco.
Grupos de interesse político na Europa, na Rússia e nos EUA também estão sendo monitorados pelo Vaticano para não interferirem caso utilizem mentiras em suas postagens. As respostas serão imediatas, esclarecendo a verdade sempre o mais rápido possível para que os cardeais não sejam trancados e isolados carregando qualquer tipo de dúvida. Mais restrições são esperadas para dentro do Conclave e mais informações são esperadas para fora dele.
Turma nova
O temor é maior porque o procedimento de votação deve demorar mais do que o normal para ser iniciado. Nesse colégio de cardeais, a maioria vai se conhecer esta semana.
Segundo o cardeal Dom Raymundo Damasceno, que falou ao Passando a Limpo, na Rádio Jornal, muitos cardeais não se conhecem ainda. E 80% deles foi indicação de Francisco.
Para se aproximarem, muita conversa deve acontecer até que as votações ocorram. Antes de serem isolados, os votantes estarão livres com seus celulares e redes sociais. Quanto mais demorar, maior a chance de a desinformação crescer.
Os tempos são outros e o Vaticano tenta se adaptar como pode. Mas não será fácil.