A situação das universidades e o silêncio dos aliados do governo
Nenhuma palavra, nem mesmo uma careta, sobre as universidades. "Educação de qualidade" é aquela em que a chave do cofre está no bolso de um aliado.
É muito difícil fazer com justiça o exercício de imaginação do “e se”. Geralmente ele não é justo, porque relaciona textos iguais em contextos diferentes, mas serve para refletir sobre condutas. E este é o objetivo aqui.
No Brasil de hoje, infelizmente, é possível fazer isso com muita coisa relacionada à gestão pública e à política, porque presidentes foram se alternando nas últimas duas décadas quase sempre prometendo que fariam tudo diferente do que fizera o antecessor.
E como todos falharam miseravelmente em resolver por definitivo as questões que lhes foram colocadas, o “e se” acaba seguindo forte.
E se
Por exemplo, “e se” os reitores de universidades federais do Brasil estivessem reclamando, na época do governo Michel Temer (MDB), que seguem recebendo as mesmas verbas, no valor de 2014, para pagar as contas de 2025? Já imaginou o barulho que se estaria fazendo nesse país?
Se os reitores das universidades federais em Pernambuco estivessem reclamando no governo Michel Temer que cortaram as verbas e eles não têm condições nem de pagar as contas básicas, será que parlamentares pernambucanos, no Senado ou na Câmara, já estariam protestando nas redes sociais que o “governo mesquinho” está “matando as universidades”?
Penúria
Pois isso está acontecendo agora, exatamente no governo Lula (PT), e não há grandes manchetes por aí, nem protesto nas ruas, nem manifestação gritando que o presidente é “inimigo da educação” ou coisa que o valha.
Provavelmente vão dizer que não sabiam da situação. Mas acontece que a reitora da Universidade Federal Rural deu uma forte entrevista ao Programa Passando a Limpo, esta semana, praticamente pedindo socorro. Não dá pra dizer que ninguém sabia da situação. E não é por ouvirem o programa, é porque muitos já foram procurados pessoalmente mesmo pelos gestores das universidades. E ninguém deu nem um “pio”.
Silêncio
Antes mesmo disso, a reitora da UFRPE e outros reitores de universidades federais em Pernambuco convocaram uma coletiva para denunciar que estão sem dinheiro para pagar até as contas básicas nas unidades de ensino.
Maria José de Sena, da UFRPE, falou de forma muito corajosa sobre a situação na Rádio Jornal. Questionada sobre como fazia para pagar as contas de 2025 enquanto recebe os mesmos valores que recebia 11 anos antes em 2014, pouco mais de R$ 74 milhões no ano, a reitora foi direta: “não paga”.
Segundo ela, não tem mais como economizar e para manter as despesas seria necessário um incremento de R$ 68,5 milhões. A pergunta retorna: “e se?”.
O caso da UFPE parece ainda mais dramático que o da Rural. A instituição previu um orçamento de R$ 170 milhões para 2025. Na hora de acertar o dinheiro, o governo Lula só conseguiu garantir até o momento R$ 49 milhões.
E, tirando os reitores preocupados, silêncio.
Lição errada
Onde está a bancada pernambucana neste momento? O estado, inclusive, tem uma senadora que se coloca como representante da Educação, tem deputados que costumam ir às redes fazer vídeos com cara preocupada, falando sério e franzindo a testa, sobre a “responsabilidade com a educação”.
Pois no momento em que este texto está sendo escrito, logo após a entrevista com a reitora, todos esses parlamentares que costumavam gritar “inimigo da educação” aos quatro ventos, fizeram postagens variadas nas redes sociais, desde elogios ao governo Lula que estaria, segundo a propaganda, “dando a volta por cima”, até trechos de entrevista do ministro da Fazenda Fernando Haddad criticando os “ricos” e dizendo que eles "estão constrangidos".
Mas não teve nenhuma palavra, nem mesmo uma careta, sobre a situação terrível das universidades federais.
Eu devo ter perdido essa lição no colégio mas, ao que parece, educação de qualidade é aquela em que a chave do cofre está no bolso de um aliado. E só isso.
