Igor Maciel: Entre o direito e o sentimento, Bolsonaro é réu já com bagagem de condenado
Após o resultado, Bolsonaro falou com a imprensa. Fez um pronunciamento de 50 minutos e no máximo em 10% desse tempo realmente tentou se defender.

Todos os ministros da primeira turma do Supremo Tribunal Federal fizeram questão de lembrar que o momento em que estavam no julgamento da admissibilidade da denúncia por tentativa de golpe não era o de apresentar qualquer juízo de valor sobre os denunciados.
Na prática, porém, todos arranjaram uma forma de antecipar o entendimento que terão quando houver o julgamento do mérito.
Nas falas dos juízes é possível captar tons de um desabafo emocional que não se espera que existam num julgamento, embora, como disse o ministro Fux em certo momento, “Direito não é só o que se sabe, mas o que se sente”. A frase é do ministro aposentado Ayres Britto.
O vídeo
O ministro relator, Alexandre de Moraes, sabe disso e providenciou um compilado de vídeos com os ataques sofridos pelos três poderes da República no dia 8/1/23.
O objetivo declarado era rebater as insinuações dos bolsonaristas de que a corte está julgando “velhinhas com bíblias” como se fossem criminosas.
Nas imagens há ataques violentos, a horda rompendo os bloqueios policiais com pedras e paus, policiais sendo violentamente agredidos pelos criminosos e o próprio STF sendo alvo do quebra-quebra.
Moraes sabia o sentimento que poderia suscitar com aqueles recursos visuais. E conseguiu.
Lembrança
Os outros ministros, que viveram de alguma maneira aquele episódio terrível, relembraram as sensações da época. Sentiram outra vez a revolta com o que aconteceu e que os atingiu diretamente.
Na época, Fux e Cármen Lúcia eram integrantes da corte. A ministra, inclusive, ficou na linha de frente buscando apoio do governo do Distrito Federal para reforçar a segurança do prédio, junto à colega e então presidente Rosa Weber, sem muito sucesso.
Flávio Dino, naquela época, era ministro da Justiça e foi o responsável por coordenar alguma reação do Executivo ao que estava acontecendo, depois cuidando da intervenção na segurança do DF.
Todos reviveram o caos do dia.
Sentir
Os vídeos reativaram nos ministros o sentimento de repúdio ao que aconteceu no 8 de janeiro e a ligação dos atos golpistas daquele dia com o planejamento exposto na denúncia da Procuradoria Geral da República, e com os denunciados, acabou sendo inevitável.
Não é que eles já não fossem seguir o relator, porque o resultado de 5 x 0 estava precificado até pelos pombos de Brasília. Mas quando fizeram isso acabaram denotando a base de suas argumentações para o julgamento do mérito que deve acontecer nos próximos meses. Com menções à necessidade absoluta de que “quem provocou aquilo deverá ser severamente punido”.
Ficou claro que não haverá salvação para os réus. Serão condenados. A única dúvida é a extensão das penas.
Fux
Sobre isso, aliás, o ministro Luiz Fux seguiu sendo a única voz a desprender-se um pouco do entendimento do relator, Alexandre de Moraes.
No primeiro dia do julgamento ele foi o único a divergir quando aceitou a tese da defesa de que o julgamento deveria acontecer no plenário. Perdeu por 4x1.
Seguiu no segundo dia, avisando que vai querer discutir a dosimetria das penas, porque é preciso ver qual a participação exata de cada um dos réus no planejamento da tentativa de golpe.
Em relação à admissibilidade da denúncia, que era o assunto em questão, votou integralmente com Moraes.
Havia uma esperança dos bolsonaristas que ele pudesse ser um aliado eventual. Mas ficou claro, ao menos por enquanto, que ele só está disposto a discutir o tamanho das penas que serão impostas.
Bolsonaro
Após o resultado, Bolsonaro (PL) falou com a imprensa. Fez um pronunciamento durante 50 minutos e no máximo em 10% desse tempo realmente tentou se defender.
Em seguida iniciou a repetição frenética de assuntos já batidos e rebatidos há anos, como a história das “urnas auditáveis”, “voto impresso”, “Lula com boné do complexo do alemão”, o termo “imbrochável” e, quando terminou a pauta antiga começou a atual, reclamando até do “preço do ovo” num momento em que deveria se defender das acusações no STF.
Em seu discurso, Bolsonaro voltou a falar na reunião com embaixadores que provocou sua inelegibilidade. Os advogados de defesa dele, que estavam buscando uma defesa técnica exatamente para afastar os sentimentos do julgamento, devem ter ficado preocupados. Tanto que o ex-presidente queria abrir para perguntas dos jornalistas e foi impedido pelos defensores, mas o estrago já estava feito.
Agora é esperar o julgamento.
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