Cena Política | Notícia

Igor Maciel: Sobre Bolsonaro em seu julgamento e Maria Antonieta na História

Bolsonaro (PL) ainda nem é réu, mas sua condenação já é considerada apenas uma formalidade. Horas antes de o julgamento ter início, sua postura mudou.

Por Igor Maciel Publicado em 25/03/2025 às 20:00 | Atualizado em 26/03/2025 às 6:52

O que define o futuro político simbólico de um indivíduo que está para ser certamente condenado é a caminhada que ele faz até encontrar-se com sua sentença.

Bolsonaro (PL) ainda nem é réu, mas sua condenação já é considerada apenas uma formalidade. Nas últimas semanas, o ex-presidente e seus apoiadores fizeram inúmeras declarações com a intenção de desacreditar o Supremo Tribunal Federal, até o dia anterior ao julgamento.

Mas, horas antes de a sessão que pode torná-lo réu ter início, sua postura mudou.

Justiça

Em uma declaração na manhã de terça-feira (25) Bolsonaro disse “confiar na Justiça”. Depois, caminhou tranquilamente para ocupar um assento na primeira fila do salão em que se reúne a primeira turma do STF, encarou seus acusadores e seus juízes, escutou o procurador-geral da República que o aponta como mentor de uma tentativa de golpe de estado, entre outras coisas. Depois, ouviu atentamente, olhar sério e paciente, seu advogado tentar defendê-lo por 15 minutos.

Acredita-se que tentará provocar barulho durante o julgamento vindouro, tentará agitar seguidores para não ser abandonado. Mas ele vai agindo, por enquanto, como se nada mais pudesse atingi-lo, de tão atingido que já está.

Não é por acaso. Existe uma estratégia nisso.

Um rei e uma rainha

Na França, no fim do século XVIII, um rei de linhagem secular foi condenado à morte e executado. O mesmo aconteceu com sua esposa, a rainha consorte, que nem era francesa. Condenada e executada na guilhotina.

A História, como se sabe, é escrita pelos vencedores e, segundo essa História, os dois eram igualmente odiados pelo povo, culpados dos crimes que lhes foram imputados, mortos legitimamente pelo regime em vigor na época.

Mas algo notório é que, na cultura pop global, pouca gente lembra qual rei Luís foi morto naquela revolução. Se era o 16º (como foi) ou algum 54°, pouco importa. Todo mundo, porém, sabe que a rainha era Maria Antonieta.

É claro que foi Maria Antonieta. Ela virou símbolo, ele não.

Popular

Esse fenômeno não acontece por um fator apenas, mas certamente a postura de cada um deles enquanto caminhavam até a lâmina pesada que os eliminou da vida física contou para formar a impressão popular que se tem dos dois monarcas guilhotinados.

Os relatos sobre o comportamento do rei entre a condenação e a execução são, não raro, de "covardia", "desespero" e "orgulho aristocrático descabido".

Já os relatos sobre Maria Antonieta são de "altivez", "resignação" e "maturidade". Ela enfrentou seus acusadores de frente, postou-se à lâmina sem medo. Ele esperneou.

Desculpas

Enquanto Luís XVI criou uma confusão, por exemplo, porque não queria ter as mãos amarradas com cordas em público, tendo sido atado com seu próprio lenço, conta-se que a rainha pisou por acidente o pé de seu carrasco e parou para lhe “pedir desculpas”.

Enquanto o rei tentou fazer um último discurso aos presentes, no meio dos tambores, sem ser ouvido, buscando ainda questionar a sentença para a qual já não havia retorno, Maria Antonieta apenas manteve sua postura.

Antes disso, ao ser conduzida dentro da prisão, a rainha bateu a cabeça em uma passagem de porta e o guarda foi perguntar se ela estava ferida, respondeu a ele que não, porque “nada mais podia lhe machucar”.

Futuro

Se todos esses fatos aconteceram dessa maneira, ou não, pouco importa, porque contados assim por séculos eles já moldaram a impressão que se tem das duas figuras para a eternidade.

O que fica sobre a imagem de um condenado na história é o comportamento que ele apresenta no caminho até a sentença porque é o que todos vão lembrar na posteridade.

Quando Bolsonaro resolve, depois de tanto tempo de esperneio, assumir posição altiva e madura (ao menos por algumas horas) para enfrentar seu próprio julgamento, não é algo aleatório. Há método. O ex-presidente está pensando no futuro e na imagem que deixará gravada no ambiente coletivo para ser usada politicamente depois em eleições próximas.

Personalidade

É improvável, até para os aliados, que Bolsonaro vá disputar a eleição de 2026 e poucos acreditam que ele voltará a disputar uma eleição algum dia, seja do que for.

O mais difícil nos momentos sem retorno é admitir que o momento perdeu seu ponto de retorno. Depois disso, quando já se sabe que não há saída, é mais fácil raciocinar sobre a página seguinte, o capítulo vindouro.

Se continuar esperneando, gritando e tentando se salvar do que não tem salvação, Bolsonaro passa à história como alguém fraco, incapaz de sustentar a indicação de um sucessor.

Sendo altivo e maduro, embora sempre pontuando a injustiça que sofreu, terá muito mais força como apoio político e, consequentemente, sua sobrevivência simbólica será maior. Difícil é acreditar que a postura altiva do ex-presidente poderá durar muito em conflito com a personalidade histriônica que costuma ostentar. Aguardemos.

Compartilhe