Cena Política | Análise

Lula na janela de Carolina e o problema de construir pontes no deserto

Imagine uma ponte ligando áreas desertas e insalubres. Há ponte e não haverá solução. Esse é o governo Lula, achando que resolve tudo com comunicação.

Por Igor Maciel Publicado em 01/03/2025 às 20:00

Se você ouvir alguém dizendo que comunicação resolve problemas, desconfie que essa pessoa não entende de comunicação. Esse equívoco é comum, pelo mesmo motivo que as pontes são consideradas soluções para desenvolver porções de terra. Não são.

A solução é a integração entre as terras e o fluxo entre seus conteúdos. As pontes são instrumentos que podem induzir soluções. Nada além disso. A diferença parece sutil demais para ser considerada, mas é essencial que se pense nisso com cuidado.

Imagine uma ponte ligando duas áreas desertas e insalubres. Haverá ponte e não haverá solução nenhuma. Por isso, quando Lula (PT) trocou a comunicação mas não consertou o que ela comunica, seguiu com a popularidade em queda.

Ponte

A ponte que ele promoveu liga o “nada” de seu governo ao “lugar nenhum” no coração do cidadão impactado pela inflação dos alimentos, além de outros problemas. Sidônio Palmeira, mesmo que fosse o maior gênio vivo da comunicação na humanidade, não conseguiria vender um governo ruim para um povo insatisfeito.

E o governo não é ruim por inércia, é bom que se diga, e é o que piora o problema. O governo é ruim por agir nas frentes erradas.

O governo Lula é ruim porque insiste em esperar gratidão por programas sociais que foram criados em suas primeiras gestões, mas que já estão incorporados ao cotidiano.

“Fui eu”

A gratidão, no ambiente mental do eleitorado, é proporcional ao impacto imediato de um benefício, mas inversamente proporcional ao tempo que passou desde que o programa foi lançado. Felipe Nunes, cientista político e CEO da Quaest, escreveu um artigo falando sobre isso há alguns dias.

Ele aborda a orientação da comunicação para que o presidente Lula viaje mais e a afirmação recente, do próprio presidente, ligando seu problema de popularidade ao fato de que muitos não sabem que foi ele quem criou os benefícios que são oferecidos pelo governo.

Gratidão

Diz Felipe Nunes: “…programas federais como o Bolsa Família ou o Farmácia Popular estão incorporados à vida de milhões de brasileiros, que sobreviveram mesmo em governos antipetistas. Muitos eleitores passaram a ver os programas sociais e os benefícios do governo como um direito adquirido. Lula seria punido se não cumprisse a promessa de dar aumentos reais ao salário mínimo, mas só fazer isso não lhe dá crédito. Para o eleitor, ele não fez mais que a obrigação. Ao montar um governo cuja única agenda é refazer o que deu certo nos mandatos Lula 1 e 2, o presidente criou uma armadilha para si mesmo. Ele só entrega o que já é conhecido. Ele não gera a gratidão consequente do voto econômico

Pague antes

Nunes avalia que o eleitor mudou e a gratidão está mais curta também. Não é que ele não entenda os benefícios como positivos e esteja mordendo a mão que o alimenta. A questão é que ele quer mais e mais rápido.

“A relação de parte do eleitorado de usar seu voto como moeda de troca segue valendo, mas agora ela exige um pagamento antecipado e o tempo de gratidão é menor”, explica.

Carolina

Uma chave importante para fazer a popularidade de Lula subir degraus está no entendimento de que as necessidades da população mudaram.

Outro cientista político, Adriano Oliveira, detalhou essa questão numa entrevista ao programa “Passando a Limpo”, da Rádio Jornal, há alguns dias. Segundo Adriano, o eleitor é grato a Lula por ter tido o Bolsa Família, é grato por ter tido Prouni, é grato por ter se formado na faculdade mas, agora, ele está abrindo um negócio e precisa de tributos mais baixos, de melhores condições para empreender, seja com um carrinho de cachorro quente ou com um comércio.

Lembrando Chico Buarque, “o tempo passou na janela e só Carolina não viu”.

Só Lula e seus petistas mais próximos não viram.

Condições

É impossível resolver com apenas uma ponte a aridez de duas terras. É impossível resolver a popularidade de um governo apenas com estratégia de comunicação, se não houver uma mudança significativa na mentalidade dos gestores e receptividade popular.

A primeira condição só acontece com o reconhecimento de que se errou muito e se trabalhou pouco nos dois primeiros anos.

O governo Lula é preguiçoso, desde o início achando que poderia viver quatro anos consumindo uma gordura de gratidão acumulada anteriormente. Descobriu que não tem nada para queimar.

Deserto

A segunda condição, de receptividade, só se alcança com resultados práticos. Comida mais barata, responsabilidade fiscal e sensibilidade para as novas pautas, não para as de 1989. É só a partir daí que a comunicação consegue ser efetiva e trabalhar. Antes disso, ela é só uma ponte no deserto.

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