Cena Política | Análise

Igor Maciel: Os gestos de ontem que amanhã vão perseguir o STF no processo de Bolsonaro

Para dar um exemplo bastante emblemático, o ministro Luís Roberto Barroso estava em julho de 2023 gritando "vencemos o bolsonarismo" em evento da UNE.

Por Igor Maciel Publicado em 19/02/2025 às 20:00 | Atualizado em 20/02/2025 às 6:54

Os acontecimentos da rotina são pequenos tijolinhos nas construções importantes de credibilidade das instituições. O julgamento de Bolsonaro (PL) será um momento em que essa credibilidade trará desafios ao Supremo Tribunal Federal.

É nessas horas em que o "quase nada" dos dias miúdos vira um problemão. Aquele almoço que “não era nada demais”, o churrasco que “não diz nada sobre posicionamento político”, o discurso político que tinha apenas umas “palavras mal colocadas” ou uma viagem internacional financiada por empresas com processos na Justiça que “era só um evento acadêmico” acabam se tornando o combustível para que réus com apelo popularesco ataquem um órgão feito para estar acima de qualquer contenda política. E que não consegue ficar.

Insuspeitos

Os próximos meses do Supremo serão de ataques dos bolsonaristas, nervosos com a possibilidade de prisão para o líder deles, contra os ministros considerados inimigos políticos e não mais magistrados insuspeitos como deveria ser.

Se os integrantes da mais alta corte do país acreditam que receberam pressão durante o julgamento do habeas corpus relacionado a Lula (PT), quando o atual presidente terminou sendo preso, não imaginam o que terão dessa vez.

Geral

Na época de Lula, os ataques eram dos petistas, algo muito localizado, mas não havia a desconfiança do restante da população.

Agora haverá apoiadores reclamando como sempre, mas também haverá uma grande parcela dos brasileiros, mesmo os que não apoiam Bolsonaro, mesmo os que não suportam Bolsonaro, desconfiados se o que está sendo feito lá é justiça ou conveniência política mesclada com vingança pessoal.

Senhor estudante

Para dar apenas um exemplo bastante emblemático, o ministro Luís Roberto Barroso estava em julho de 2023 fazendo discurso em palanque num evento da União dos Estudantes, mangas arregaçadas e suor no rosto, gritando “vencemos o bolsonarismo”.

Em seguida, o STF disse que ele estaria se referindo ao voto popular e que não era uma menção direta a Bolsonaro. A nota da instituição não conseguiu convencer ninguém, claro.

Na época parecia algo bobo, uma frase solta num momento de euforia. Nunca é. Ministro do STF nunca fala, ele sempre se pronuncia. Até seu bom dia é oficial.

Senhor presidente

Pouco mais de um ano depois, Barroso era (e ainda é) presidente do Supremo Tribunal Federal. É sob a presidência dele que Bolsonaro será julgado. Por causa disso, fez questão de afirmar categoricamente que o processo correrá na casa com “seriedade e sem visão politizada".

Mesmo que seja verdade, porque se espera mesmo que exista o rigor necessário e a correção adequada, a quem ele consegue convencer depois de ter feito o discurso de 2023 na UNE?

Farto material

A denúncia feita pela Procuradoria Geral da República está bem documentada. A delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, é rica em detalhes e teve elementos confirmados com outras provas dentro da investigação da Polícia Federal.

Quem se der ao trabalho de ler a peça jurídica, ao invés de apenas assumir uma posição para berrar, perceberá que os fatos são muito graves e a necessidade de punição exemplar é condição importante para a manutenção da democracia. Os envolvidos precisam servir como escola para qualquer outro que ouse pensar em fazer o que foi feito.

E é exatamente pela robustez da lição que precisa ser dada que um STF acima de qualquer suspeita seria essencial.

Lição

Em 2019, antes de muitos desses eventos que minam credibilidade acontecerem, o ministro aposentado Cezar Peluso deu uma entrevista falando sobre o papel dos magistrados, que haviam sido colegas dele, e já alertava: “Juízes correm risco de sucumbir à tentação de se tornarem porta-vozes das ruas”.

Em outro ponto, detalha a preocupação de seis anos atrás: "O Poder Judiciário não foi chamado para fazer revoluções e pregar ideologias, e, sim, para defender o ordenamento jurídico". É isto. Que Peluso seja escola também. Esperando que já não seja tarde demais.

Confira o podcast Cena Política

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