
Talvez na noite de terça-feira (2), ou só na manhã da quarta-feira (3), mas é certo que Lula chamou Arthur Lira (PP), o todo poderoso presidente da Câmara Federal, para dizer, coçando a barba, no meio de um sorriso irônico: “e tu não dissesse que mandava na Câmara?”.
A retirada do PL das Fake News da pauta de votação se deu porque o governo, e Arthur Lira, não tinham votos garantidos para a aprovação. A maior consequência não é uma demora maior para que o texto seja aprovado. De qualquer forma, já se esperava que o trâmite fosse desacelerado no Senado, mesmo após a aprovação na Câmara. A consequência mais robusta desse desfecho temporário é a quebra da aura de poder que circundava o alagoano presidente da Câmara.
Quem acompanha filmes de super-heróis vai lembrar de uma frase icônica no filme “Batman vs Superman”, de 2016, quando o homem-morcego luta contra o Superman, este considerado quase um deus por ter poderes que o tornam quase invencível. Batman começa a briga com: “Diga-me, você sangra?”. Nos minutos seguintes ele consegue, sim, fazer o adversário sangrar.
Arthur Lira não é o Superman, antes que alguém ache que esta é uma comparação de propósitos e personalidade válida. Lira está mais para vilão circunstancial em qualquer enredo sobre heroísmo e ética, mas sangrou quando ninguém imaginava que seria possível. E isso é notável.
Entre os responsáveis por mostrar isso está um deputado pernambucano, Mendonça Filho (União), que apresentou até um texto substitutivo ao do relator, Orlando Silva (PCdoB), que chegou a ser utilizado como argumento para angariar votos contra o projeto defendido pelo governo Lula (PT) e por Lira.
O presidente da Câmara sangrou porque o governo estava confiando nele para garantir qualquer votação e ele não entregou o esperado. Lira se reuniu com Lula esta semana para dizer o que era necessário. Liberações de emendas e indicações para cargos foram a receita indicada. Não adiantou.
É bom lembrar que, não faz muito tempo, Lira reagiu à criação de um grupo que tentou lhe desafiar, anunciando a formação (e o seu controle) de uma bancada ainda maior, com mais de 170 deputados. Estamos falando de um presidente que teve mais de 400 votos para o posto que ocupa na casa, um recorde.
Por que Lira sangrou, então, se tem tanta força? Porque é muito difícil crescer tanto, esticar tanto um tecido de poder sem esgarça-lo. A superfície, quanto mais esticada, mais frágil fica. Lira viu seu poder crescer muito e muito rápido quando saltou do barco bolsonarista para o lulista.
Para conseguir 464 votos numa Casa com 513 deputados é preciso prometer coisas demais e, como até na gestão pública há limites, Lira terminou “vendendo o mesmo terreno para vários compradores”. Ele prometeu relatorias de projetos importantes para mais de um deputado. Prometeu o mesmo cargo para vários partidos e agora tenta se equilibrar, mas não tem facilidade.
Dentro do grupo com mais de 170 deputados, liderado por outro deputado pernambucano, Felipe Carreras (PSB), que foi tão festejado há alguns dias, não há tantos votos garantidos como se imaginava.
Já há quem aposte que Lira precisará reagir e assustar a oposição para recuperar sua credibilidade junto ao governo. Um dos caminhos seria reforçar a atuação da Comissão de Ética, o que preocuparia os deputados bolsonaristas, por exemplo.
Lira, agora, é como um para-brisa trincado: pode ser que passe o resto da vida e mantenha sua integridade, mas ninguém aposta nele como antes. O "deus" também sangra e o para-brisa também pode quebrar. ATé que se prove o contrário outra vez.
O que importa
A adulteração de vários cartões de vacina numa comitiva presidencial é mais um exemplo da total falta de respeito com a instituição Presidência da República e com a imagem do país como uma nação séria e atenta aos mínimos princípios éticos de convivência humana globais. O respeito aos ritos e à seriedade do cargo de presidente é uma raridade no Brasil em que sobram populistas e os estadistas são escassos. Tanto que a maior preocupação dos bolsonaristas não é com o fato de um presidente da República e todo o seu entorno terem tido cartões de vacina fraudados, com ou sem conhecimento do chefe.
A preocupação maior dos bolsonaristas que trabalham com o ex-presidente, na verdade, é com o conteúdo que a Polícia Federal pode encontrar ao averiguar o celular apreendido de Bolsonaro. Com a fraude internacional, o crime contra a saúde pública e a vergonha de ter o nome envolvido em algo tão grave, nem tanto.
O problema, para eles, é o que ele fala no zap.