
Muita gente deve lembrar do atacante Jadilson, que salvou o Sport do rebaixamento para a Série C com gols importantes na reta final da Segundona de 2005. Mas pouca gente deve saber que em 2016 o jogador voltou a marcar tentos decisivos pelo modesto Timbaúba e é o artilheiro da Série A2 do Estadual. Ao longo desses 11 anos, mais do que goleiros, ele teve que superar a si mesmo. Além da marcação cerrada de adversários como bebida, farras, lesões, pobreza e desemprego. Uma viagem no tempo que mostra a gangorra que é a vida de muitos jogadores de futebol.
Quatorze de outubro de 1980. Nasce no Recife Jadilson Carlos da Silva. Habilidoso, o moleque logo virou o rei das peladas na Imbiribeira. Certo dia foi com o tio colocar gesso no Unibol. No meio da obra, o pedido por uma chance para o sobrinho bom de bola. “Fui ajudar meu tio e acabei sendo ajudado. Na outra semana fiz o teste, passei e comecei a treinar nos juniores”, recordou. Se destacou tanto que foi parar no Atlético-PR, onde se profissionalizou. Depois teve passagem pelo futebol do Oriente Médio (Shabab Dubai e Baniysas) até voltar e receber o convite do time do coração. “Eu tocava na Gang da Ilha, desde pivete meu pai me levava para a Ilha do Retiro. Fiquei muito feliz”, contou.
Vinte e três de agosto de 2005. Antepenúltima rodada da Série B. A torcida rubro-negra, debaixo de muita chuva, assistia incrédula à derrota do Sport por 2x1 para o Bahia. O jogo se arrastava para o final e o perdedor ficaria ameaçadíssimo da cair para a Terceira Divisão. Faltando 15 minutos, Jadilson saiu do banco de reservas para entrar na história do clube. “Eu entrei e fiz o que sei: gol. Aos 36 minutos, de cabeça fiz o gol de empate. Aos 41, chutei duas vezes na área para virar o jogo. Até hoje tem gente que me para na rua pra agradecer”, rememorou. Nascia o herói do Leão. O time só não foi rebaixado este ano por ter obtido um triunfo a mais do que o Vitória. Justamente os três pontos contra o Bahia, com dois gols de Jadilson, salvaram o Sport da Terceira Divisão. Com status de ídolo, começou o Pernambucano do ano seguinte fazendo juz à fama ao marcar os gols da vitória por 2x0, contra o Estudantes, em Paulista.
Onze de janeiro de 2006. Segunda rodada do Estadual. O Sport enfrentava o Serrano, em casa, quando o barulho da arquibancada foi silenciado por um grito de dor. Jadilson deitado no campo. Pela primeira vez rompia os ligamentos do joelho. Não seria a única. Teve a mesma lesão outras três vezes. Nunca mais foi o mesmo. Nem o comprometimento. Virou atleta da noite. Farras, bebidas, mulheres. “Tinha 24 anos e ganhava R$ 30 mil. Era muito dinheiro e não tive cabeça. Só queria saber de festas, passava as noites bebendo e claro que isso afetou dentro de campo”, disse. Deixou o rubro-negro no fim de 2008. No ano seguinte (e nos que se seguiram) tentou novos recomeços.
Dezenove de julho de 2009. Estreia no Central diante do CSA-AL, no Lacerdão, pela 3ª rodada da Série D. Teve uma atuação discreta, assim como foram as passagens pelos outros clubes modestos. O único lampejo do antigo Jadilson foi em 2010, quando foi vice-artilheiro do Pernambucano, pelo Vitória de Santo Antão. Teve uma chance no Santa Cruz, mas não vingou. Depois do Crato-CE em 2014, ficou desempregado. As dívidas só se acumulavam. “Voltei a fazer bico colocando gesso, como na época de moleque. Vendi os três apartamentos que tinha na beira mar em Boa Viagem. Vendi agora o meu carro e estou a pé. Pago pensão de quatro filhos com quatro mulheres diferentes”, contou.
Onze de setembro de 2016. Segunda rodada da Série A2 do Pernambucano. Jogando pelo Timbaúba, fora de casa, contra o Barreiros reencontrou o caminho das redes e marcou no empate de 1x1. Desacreditado por muitos, resolveu acreditar em si novamente. Aceitou o convite do time timbaubense depois de dois anos parado. Mostrando o antigo faro de gol, seguiu marcando nos jogos seguintes. Ao final da sexta rodada, na quinta-feira, era o artilheiro isolado do torneio com cinco gols. “Quem não quer ser um herói de novo não é? Fico feliz em voltar a ser artilheiro e ser visto novamente. Eu mudei, minha cabeça hoje é outra, se eu tivesse essa consciência antes não teria acontecido tudo aquilo”, garantiu.
Quatorze de outro de 2016, última sexta-feira. Aniversário de 36 anos de Jadilson. Ao ser perguntado o que pediria de presente, um longo silêncio. Depois do olhar ao longe, a resposta: “O mais importante pra mim hoje é conquistar o acesso pelo Timbaúba. Quero fazer gols para colocar esse time na primeira divisão”, disse um novo velho Jadilson.
As três chances de Neco
Três chances. Uma pessoa. As três grandes oportunidades que Jadilson teve no futebol coincidentemente partiram do mesmo homem: Manoel Carlos de Luna Filho. Pelo nome de batismo é difícil identificar, porém basta dizer Neco para qualquer boleiro lembrar. Pois foi o atual técnico do Timbaúba quem deu a chance ao jogador na equipe da Mata Norte do Estado e também no Unibol e no Sport.
Neco lembra até hoje da primeira vez que viu aquele moleque bom de bola. “Foi em uma peneira comigo nos juniores do Sport. Jadilson foi lá fazer o teste, jogou bem e até fez um gol. Ao final desse primeiro treino, ele pensou que já seria inscrito no clube. Como isso não aconteceu, ele foi embora pensando que havia sido dispensado”, recordou. O futebol, porém, tratou de colocar um na rota do outro novamente. Meses depois, o técnico foi chamado para o Unibol, onde o jogador estava nos juniores. “Jadilson tem um imã para a bola e definição muito boa. Para mim foi uma alegria reencontrá-lo e consertar o mau entendido no Sport”, disse.
Em 2005 Neco era treinador das divisões de base do Sport e assumiu o profissional justamente no já citado épico jogo contra o Bahia, em que Jadilson estava no banco. “Eu chamei ele e disse: você sabe fazer gol e hoje vai tirar a gente do sufoco. Eu não orientei nada, apenas disse para ficar na área que a bola ia chegar nele”, rememorou.
Quis o destino que a volta por cima de Jadilson também fosse pelas mãos de Neco. “É uma alegria muito grande dar mais uma chance a ele, agora no Timbaúba. Hoje, ele é um líder, um exemplo dentro e fora de campo”, disse o técnico. Questionado se depois de três, daria mais alguma oportunidade a ele, Neco foi enfático: “Com certeza, daria a quarta e outras, se ele continuasse como está hoje”.