Entrevista

João Gonçalves, o censurado autor de Severina Xique-Xique

No regime militar ele foi proibido de cantar durante um ano na Paraíba

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 30/08/2017 às 10:11
foto: reprodução blog O Fole Roncou
No regime militar ele foi proibido de cantar durante um ano na Paraíba - FOTO: foto: reprodução blog O Fole Roncou
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Aos 81 anos, o compositor paraibano João Gonçalves continua morando em Campina Grande e pode voltar a ser badalado por
causa da mesma Severina Xique-Xique que lhe deu fama e dinheiro há 42 anos com Genival Lacerda. Por telefone, o compositor
concedeu conversou sobre a regravação de sua música mais conhecida para o disco Música de Brincaderia 2, da banda mineira Patu Fu (que ele não conhecia). Falou também sobre o duplo sentido, e os percalços que o estilo lhe causou, a ponto de ser o único cantor, durante o regime militar, proibido de cantar em público durante um ano, por causa do refrão de Pescaria em Boqueirão: "Ô lapa de minhoca/eita que minhocão/com uma minhoca dessas/se pega até tubarão". Aliás, ele foi um dos mais censurados compositores brasileiros nos anos 70. 

JORNAL DO COMMERCIO – João, você já escutou sua música gravada pelo Pato Fu?
JOÃO GONÇALVES – Não estava sabendo, sei que Severina Xique-Xique tem mais de 130 gravações. Vou
entrar em contato com a editora pra saber isso. Ela está num disco infantil? (ri) Também Severina não tem
estas malícias todas, fiz pensando em boutique, porque foi quando surgiu, estava começando esse tipo
negócio. Lá no Sul não sabem que aqui no Nordeste boutique tem o masculino. A música nem chegou a ser
censurada.

JC – Você foi um dos autores mais censurados dos anos 70, tanto quanto Chico Buarque e Milton
Nascimento, embora raramente isso seja citado na imprensa ou em livros. Quantas músicas suas foram
censuradas?
JOÃO – Sempre que eu ia gravar, levava um repertório de 30 músicas para sobrar 12 músicas, censuraram
muitas. Era só carimbar: essa não passa, não passa, não passa. Depois que acabou a censura, eu aproveitei
algumas delas, uns duplos sentidos que não eram muito pesados, fui espalhando aos poucos.

A MINHOCA

JC – Mas você foi o único proibido de cantar. O delegado da Polícia Federal alegava o que para a proibição?
JOÃO – Passei um ano sem cantar na Paraíba por causa de Pescaria em Boqueirão. Um delegado da PF proibiu. Ele dizia que a banda podia tocar, mas eu não. Eu ia pro local do show, recebia um pedaço do cachê quando os clubes queriam pagar, ou então não ganhava nada, e ia embora pra casa. Numa campanha política, me chamaram pra cantar em Cajazeiras. Depois que terminei, o inspetor chegou lá e disse que eu estava ferrado porque tinha cantado a música proibida. Eu disse: Cantei não senhor. Ele disse: Cantou. Vai ficar no hotel, não pode viajar hoje não. Eu gravei o show e vou ouvir. No outro dia ele veio e disse: de fato você não
cantou não. Claro que não cantei, eu fazia só o gesto, como se tivesse cantando, mas quem cantava era o povo. Mas fui proibido de cantar só na Paraíba. O delegado alegava que eu não podia cantar a Pescaria, que nem foi proibida pela censura, foi vetada só na Paraíba. Então fui fazer shows em outros Estados.

JC – Outros grandes sucessos do duplo sentido são seus, cite alguns, por favor.
JOÃO – Messias Holanda estourou com Mariá, a música da trouxa (canta um trecho: “A água do riacho é bem limpinha/ Tu lava a trouxa todinha se o sabão não cortar”), Trio Nordestino com Por Causa da Pepita. O que Genival gravou meu estourou quase todas. Messias gravou uma que falava em tabaco, a do rapé, a gentefez junto e deixei só pra ele. Tabaco no Sul não tem problema nenhum, já aqui no Nordeste tabaco o povo acha feio.

JC – Depois o duplo sentido tomou conta do forró.
JOÃO – Pois é, veio Zenilton, Sandro Becker, Zé Duarte, foi uma zoada danada de duplo sentido, agora só
quem pagou o pato fui eu. Cheguei uma vez na RCA, Luiz Gonzaga estava gravando me viu, e disse: Ói o
João da Minhoca. Faz umas coisinhas boas pra mim, que tu só faz safadeza. Eu mandei um material pra ele.
Luiz estava já no fim de carreira. Ele saiu da RCA foi pra Copacabana, e deixou o material lá. Dominguinhos
ligou pra mim e perguntou o que faria com o material. Eu disse que ele gravasse pra gente. Ele disse: vou
gravar pra você, e gravou oito músicas minhas.

JC – Seus parceiros faziam alguma coisa ou você só dava a parceria?
JOÃO – Nunca fiz música com ninguém, sempre dou, mais pra ter divulgação. Quando Genival começou
comigo mostrei uma fita e ele disse: e aqui como é que a gente faz? Disse que se gravasse mais de três eu
daria parceria em todas elas. Genival gravou três e ainda colocou com o Trio Nordestino Por Causa da
Pepita. Hoje em dia se ele gravar música minha, é João Gonçalves e Genival Lacerda.

JC – Você continua a lançar discos, mas com pouco duplo sentido, por quê?
JOÃO – Gravo sempre um cedezinho pra não ficar parado. Sonho de Atleta, o novo está toca bem por aqui.
Há dois anos que não toco no São João de Campina Grande, mas não porque não me chamam, eu estou
cuidando de um enfisema. Também, eles não fazem mais o maior São João do mundo, é o maior sertanejo do
mundo. No disco não tem duplo sentido, só umas besteirinhas, porque estão apelando demais. Não é mais
duplo sentido é pornografia mesmo, dizem direto. Acho isso feio. Tenho uma certa idade, meus netos me
perguntam, aí estou parando. O duplo sentido era engraçado, tinha bom humor.

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