Argentina

Um silêncio ensurdecedor

Gustavo Cerati, um dos ícones do rock argentino, está há três anos em coma, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC)

Thiago Neuenschwander
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Thiago Neuenschwander
Publicado em 18/05/2013 às 14:31
Foto: Luiz García/Divulgação
Gustavo Cerati, um dos ícones do rock argentino, está há três anos em coma, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC) - FOTO: Foto: Luiz García/Divulgação
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Há três anos a Argentina chora a ausência de um dos músicos mais proeminentes de sua história recente. Uma voz capaz de arrebanhar multidões e que foi calada subitamente por um acidente vascular cerebral (AVC). Na noite do dia 15 para o dia 16 de maio de 2010, o cantor e compositor Gustavo Cerati, um dos ícones do rock argentino, sentiu-se mal e desmaiou após realizar mais um show de sua celebrada turnê Fuerza Natural na Universidad Simón Bolívar, em Caracas, na Venezuela. Horas mais tarde, os fãs foram surpreendidos com a notícia de que Cerati estava em coma, por conta de um infarto severo no cérebro, do qual jamais se recuperou.

A história do AVC de Gustavo causou comoção no mundo da música latina. Millhares de fãs, amigos, familiares e artistas renomados juntaram-se à corrente pela recuperação do músico e agarraram-se à esperança de vê-lo outra vez nos palcos. A esperança, contudo, deu lugar à resignação com o passar dos anos. Poucos foram os sinais de que um milagre poderá acontecer. Um silêncio simplesmente ensurdecedor.

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Músico argentino é venerado em toda a América espanhola

Relatos dizem que o músico chegou a mexer os lábios quando ouviu uma de suas composições. E nada mais. Mesmo assim, a mãe do cantor, Lilián Clark, disse em entrevista à imprensa argentina que não autorizará o desligamento dos aparelhos, pois ainda acredita na recuperação do filho. “Estamos ao seu lado todos os dias, seguindo todo o processo. Continuaremos aí, prontos para qualquer coisa, esperando que ele se recupere o mais rápido possível”, contou.

A devoção do público pelo músico argentino não é à toa. Cerati foi o líder de uma das mais veneradas bandas do rock latino, surgida durante a década de 80. Junto ao baixista Héctor “Zeta” Bosio e ao bateirista Charly Alberti, o músico criou, em 1982, o Soda Stereo, uma verdadeira fábrica de hits que construiu uma sólida carreira até meados de 1997, com mais de 10 milhões de cópias vendidas.

O grupo apresentava forte influência de bandas como o The Police e o The Cure, misturada com a utilização de sintetizadores e até de elementos do folclore argentino em suas canções. Com o fim (temporário) do Soda, Gustavo dedicou mais tempo à carreira solo, que já existia paralelamente, e enveredou por outros caminhos como a música eletrônica e até a sinfônica. Mais uma vez acertou em cheio. Seus discos lhe renderam sete Grammys Latinos e dezenas de outros prêmios importantes.

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Cerati, Alberti e Zeta Bosio. Soda Stereo em foto dos anos 80

Em 2007 o Soda anunciou seu retorno para realização de uma última turnê. O ressurgimento do trio foi um sucesso arrebatador. Gustavo e seus companheiros causaram furor em vários países do continente e conseguiram uma façanha: lotar por seis dias seguidos o estádio Monumental de Nuñez, em Buenos Aires. O recorde anterior pertencia a ninguém mais ninguém menos que os Rolling Stones, que conseguiram encher a cancha do River Plate por cinco dias consecutivos.

Coincidência ou não, o nome dessa última turnê com a banda que lhe projetou ao estrelato se chamava Me verás volver (Me verás voltar). Talvez um sinal, talvez não. Em uma de suas músicas Cerati já cantava: Despiertame, cuando pase el temblor, em tradução livre algo como “Me acordem quando a tormenta passar”. Ainda não passou, mas uma coisa é certa: teus fãs te aguardam e te agradecem. Gracias totales.

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"Despiertame, cuando pase el temblor". Trecho de música de Cerati reflete desejo dos fãs

Bandas nacionais homenageiam obra de Cerati

Ídolo na América espanhola, Cerati é um nome pouco conhecido no Brasil. Muito por conta da barreira linguística que sempre existiu com os demais países latino-americanos, especialmente entre artistas de rock. Mesmo assim, sem nunca ter se apresentado em território nacional, importantes bandas locais se debruçaram sobre a obra do músico argentino. Em meados dos anos 90, Os Paralamas do Sucesso e o Capital Inicial fizeram versões distintas da canção De musica ligera. Na voz de Dinho Ouro Preto, transformou-se em À sua maneira, um dos maiores hits da fase recente do quarteto de Brasília.



Outra banda nacional que homenageou o argentino foi a gaúcha Nenhum de Nós. O líder do grupo, o vocalista Thedy Corrêa, diz que conheceu Cerati ainda nos anos 80, no auge do Soda Stereo. “Fui à Argentina naquela época, quando a banda lançou Signos, um dos discos de maior sucesso que eles produziram. A partir dali jamais parei de acompanhar o Cerati. Tenho o Gustavo e o David Bowie como as duas maiores referências. Tive a oportunidade de conhecê-lo e de vê-lo ao vivo no Teatro Gran Rex, em Buenos Aires”, contou.

Thedy relembra a ocasião em que tentou viabilizar a vinda de Cerati ao Brasil. “Uma vez tentamos trazê-lo para tocar no Planeta Atlântida (tradicional festival que acontece no Rio Grande do Sul), mas acabou não dando certo por conta da estrutura. Cerati já era um músico consagrado e a logística para um show dele era muito grande e cara para alguém que não era conhecido no Brasil. É até difícil explicar por que ele não teve sucesso por aqui, já que artistas como Jorge Drexler, Fito Páez e Charly García costumam ter shows lotados”, explicou.

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Thedy ao Centro e o Nenhum de Nós. Vocalista é fã do músico argentino

A idolatria de Thedy e do Nenhum de Nós por Gustavo serão traduzidas no próximo DVD da banda, que será lançado no mês que vem, chamado Contos Acústicos de Água e Fogo. Entre as faixas está Crimen, um dos maiores êxitos da fase solista do argentino, registrado no álbum Ahí Vamos, de 2006. A música foi eleita, em 2007, a melhor canção de rock no Grammy Latino. “Além de Crimen, também produzimos uma música em espanhol, chamada Tu Vicio, que já é um reflexo de tudo que o Gustavo e o Soda Stereo representaram na minha vida como artista”, concluiu Thedy.

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