Entrevista

Sônia Bridi lança nova edição do livro 'Laowai'

Repórter correspondente da TV Globo conversou com o JC sobre seus aprendizados mundo afora, principalmente com a China, que inspirou a sua publicação

Robson Gomes
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Robson Gomes
Publicado em 17/12/2018 às 14:00
Foto: Paulo Zero/TV Globo
Repórter correspondente da TV Globo conversou com o JC sobre seus aprendizados mundo afora, principalmente com a China, que inspirou a sua publicação - FOTO: Foto: Paulo Zero/TV Globo
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Londres, Nova Iorque, Pequim, Paris: estes foram as capitais em que a repórter catarinense Sônia Bridi atuou como correspondente internacional para a TV Globo. Entre elas, a penúltima parada lhe chamou mais atenção. Tanto que virou série. Tanto que virou livro.

Em 2018, a jornalista lançou uma nova versão de seu livro Laowai – Histórias de uma Repórter Brasileira na China, lançado há dez anos, trazendo um novo epílogo relatando o seu retorno ao país oriental seis anos depois de sua última visita. O resultado foi uma nova série veiculada no Fantástico e uma conversa sobre tudo isso para o Jornal do Commercio. Confira.

ENTREVISTA // SÔNIA BRIDI

JORNAL DO COMMERCIO – Sônia, a menina que foi elogiada no primário pela boa escrita ainda em Caçador imaginou que em algum momento iria parar na China?
SÔNIA BRIDI – Não imaginei. Eu só conheci o mar aos 13 anos, imagina sonhar com a China! Mas bem que queria, não só a China, mas o mundo inteiro que eu via nos livros e na TV.

JC – Viajar para contar histórias é mais prazeroso ou trabalhoso?
SÔNIA – As duas coisas. Dá um trabalho danado, a gente está em constante deslocamento, dorme pouco, dorme uma noite num hotel, dia seguinte noutro. Em A Jornada da Vida – Rio Nilo passamos por 4 países em 32 dias, dormimos em 19 lugares diferentes – veja que não disse hotéis, porque dormimos também em barracas, em casas de camponeses, em abrigos de refugiados. Então é mega cansativo. Mas é prazeroso também, porque a gente tem acesso a por exemplo visitar a tumba de um faraó na companhia do entrevistado que vem a ser o maior egiptólogo do Brasil; o museu da evolução humana na Etiópia, com Berhane Aswan, um dos maiores nomes da antropoarqueologia mundial.

JC – Como a China te impactou pessoal e profissionalmente?
SÔNIA – Foi um choque. Pessoalmente porque depois dos 40 você ter que aprender a interpretar uma cultura completamente diferente, se sentir analfabeto, sem conseguir ler uma placa de rua, é muito difícil. Profissionalmente a censura, a dificuldade de acesso, foi o mais desafiador. Mas ao mesmo tempo, quando você começa a compreender as pessoas e os códigos culturais, começa a viver a vida deles, comer a comida, desfrutar da companhia das pessoas, é muito bom. Foi também um tempo de muita união familiar, porque nós trabalhávamos em casa, fazíamos tudo junto com os filhos, uma convivência intensa.

JC – Que costume/hábito os chineses têm que você gostaria de ver no Brasil?
SÔNIA – Levar a educação dos filhos extremamente a sério, como a prioridade número 1 das famílias. Fazer exercícios físicos e mentais, como o Tai Chi Chuan. E o hábito de comer uma grande variedade de verduras com pouca proteína animal nas refeições – é muito saudável e saboroso.

JC – Entre várias questões abordadas no Laowai, você fala da dificuldade de lidar com a censura, que vem às vezes da maneira mais sutil na China. Teve algum momento de seu trabalho naquele País que foi totalmente prejudicado por isso?
SÔNIA – Muitas vezes. Nunca consegui entrevistar diretamente um dos líderes do partido Comunista, por exemplo. Levei dois anos negociando para entrar numa mina de carvão, e quando entrei cheguei na porta do elevador e queriam me mandar de volta para a superfície – ou seja, queriam que eu dissesse que entrei na mina mas não queriam me deixar ver nada. Pessoas com pensamento independente ou de religiões banidas como a católica romana, não falam com medo de serem punidas pelo governo.

JC – Ao regressar à China para a gravação da série A Jornada da Vida para o Fantástico, você disse ter ficado chocada com as mudanças em apenas seis anos, mesmo tendo voltado outras vezes nesse período. O que foi totalmente novo para você nesta última visita?
SÔNIA – A geração que nasceu depois das reformas (começaram em 1979, com Deng Xiaoping) está adulta e ocupando cargos de chefia. É uma geração de chineses sem trauma – não viveram a guerra, a revolução comunista nem a revolução cultural. São pessoas mais leves. Cresceram com acesso à tecnologia, são inovadores. E por outro lado, os primeiros anos das reformas foram voltados a criar muitos empregos de chão de fábrica, ocupar a população produzindo para exportação. Depois veio a infraestrutura de estradas, portos, aeroportos, ferrovias, também voltados para o crescimento econômico. Agora vi a China feita para os chineses ricos e de classe média. Trem bala, cidades modernas, pagamento por celular em toda parte, sistema de comercio eletrônico estonteante. Os chineses têm no mínimo nove anos de estudo. Mais de cinquenta por cento completam o ensino médio e um número cada vez maior chega à faculdade. Então a absorção de novas tecnologias no dia a dia é muito fácil. Convivo com a China há 14 anos – e vi, fácil, mais avanços do que no Brasil desde 1970, quando entrei na escola.

JC – Na sua visão, como se define um bom jornalista correspondente, dentro e fora do País?
SÔNIA – Um correspondente é um repórter com endereço no exterior. Tem que ter as mesmas características de um repórter que cobre local, ou nacional: ser curioso, atento, perguntar, perceber mudanças, apurar os fatos, conversar com as pessoas. E não ter preconceitos. Se você tem ideias já concebidas na sua cabeça, pode perder a oportunidade de aprender coisas novas.

JC – Existe alguma pauta dos sonhos que você ainda pretende realizar?
SÔNIA – Muitas. Um pilha imensa. Para cada uma que faço, aparecem mais dez que quero fazer.

JC – Na jornada da tua vida, qual a importância de ser uma estrangeira?
SÔNIA – Como dizem os taoistas, tudo se define pelo oposto. Só sendo estrangeira, ainda que brevemente, posso realizar plenamente minha brasilidade, digamos assim. Quando você se vê com os olhos dos outros, se vê também com falhas e limitações que às vezes evitamos enxergar. E também quando passamos muito tempo fora, aprendemos a valorizar as qualidades que o Brasil tem e muitas vezes não damos importância.

SERVIÇO

Laowai – Histórias de uma repórter brasileira na China (Matrix Editora), de Sônia Bridi. 392 págs. Preço sugerido: R$ 64

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