
Haverá sempre, à mesa, os adeptos dos superlativos: esses lugares grandes demais, gente demais, pratos indo e voltando como numa grande disneylândia do comer. Felizmente, desde que os franceses esquadrinharam o conceito de bistrôs com suas poucas mesas e receitas familiares, a boa gastronomia encontra sempre as melhores molduras. E elas costumam ser pequeninas. Um desses lugares charmosamente diminutos acaba de firmar mesas no Recife.
Uma casa erguida no começo do século 19, no Poço da Panela, é a sede do novíssimo Donatto. Foi o lugar encontrado pelo pernambucano Rafael Donatto voltar a atuar como chef não apenas na cidade, mas em seu bairro de nascimento. Uma volta depois de mais de dez anos cozinhando em restaurantes da França e de Portugal, além de ter cumprido várias temporadas em cruzeiros marítimos, esses nem tão pequenos bairros flutuantes onde os turistas do andar de cima mal desconfiam da usina insone de forças que é uma cozinha no andar de baixo.
Obrigado e acostumado a cozinhar para paladares de várias latitudes em expedientes de mais de dez horas diárias, ele acabou por incorporar uma técnica amplamente cosmopolita a seu repertório. Com uma certa predominância das cozinhas francesa e portuguesa, o cardápio pode ser considerado internacional sem incorrer no clichê genérico que o termo evoca.
Além de um filezinho gratinado com queijo (R$ 23,90) tão bem quisto pelo gosto local, a seção de entradas conta com o indefectível carpaccio e artigos mais especiais. Entre eles, uma típica empada de bacalhau à portuguesa. Esqueça, como comparação, esses salgados mais vulgares disponíveis por aí. De massa realmente delicada, quebradiça, amanteigada, é ricamente recheada com lascas de lombo de bacalhau do Porto desfiadas. Como contraponto, é servido com purê ligeiramente agridoce de beterraba. É bem satisfatória para a espera do prato principal e custa módicos R$ 8,90.
Uma das saladas (Cozumel, R$ 23,90) lembra as receitas provençais: abacate, suco de limão no tempero, folhas, camarões, tomates, pimentão vermelho e hortelã. Para aportar algum sotaque pernambucano, há uma série de ensopados (R$ 16,90 a R$ 18,90): peixe, camarão, polvo e caranguejo.
Entre os principais, um clássico lombo de bacalhau assado em azeite (R$ 43,90) ou contemporaneidade como um risoto de lima com sashimi de salmão marinado e camarões (R$ 29). Entre as carnes, medalhão de filé ao molho de queijo azul (camembert ou gorgonzola) com risoto de funghi e batatas (R$ 29). Aliás, íntimo do pendor dos pernambucanos por carboidratos, os pratos têm quase sempre duas guarnições. Como no entrecôte clássico ao molho de mostarda com risoto de provolone e gratin de batatas (R$ 42).
O chef demonstra uma mão bem adestrada no trato com os peixes, cozidos no ponto ideal, sem perda de umidade e textura. Muito bem concebido é seu Robalo a Donatto, o prato ícone da casa: suculento, o peixe é recheado com cogumelos, batatas assadas ao forno com ervas, guarnecido com camarão grelhado, uma nuvem bem discreta de bacon crocante e molho césar. Não por acaso, esse prato foi um dos finalistas do concurso gastronômico Garfo de Ouro 2012, em Lisboa.
Com um salão interno e um corredor aproveitado com mesas, a casa conta ainda com um quintalzinho de onde se pode apreciar o céu livre de prédios no Poço da Panela. A carta de vinhos é enxuta, cerca de 20 rótulos. O endereço oferece mais que uma boa refeição. Ao lado da igrejinha do Poço, é um passeio para um ponto de fuga da agitação da cidade. O bairro ganha bom endereço para uma refeição hedonista como sua arquitetura ainda calma sugere.
TEXTO– Rua Visconde de Araguaya, 51, Poço da Panela. Funcionamento: terça a sábado no jantar, às 19h, sábado e domingo no almoço, a partir das 12h. Tel.: 3314-5872.