
Em 2011 chegava a Pernambuco um programa que, ainda sem imaginar a proporção que tomariam os serviços oferecidos, era criado para resgatar a vida e dar oportunidades a usuários de drogas em situação de violência e vulnerabilidade. Tendo como princípios a redução de danos e a promoção da segurança, o Atitude completa oito anos celebrando o marco de mais de 23 mil pessoas atendidas. Apesar da verba ainda apertada (R$ 17 milhões ao ano, mesmo valor de 2011), programa retomou o fôlego que havia perdido em 2016, quando o orçamento caiu para R$ 11 milhões. Até julho, mais de 3 mil pessoas usufruíram de pelo menos um dos quatro tipos de apoio: Atitude nas Ruas; Centro de Acolhimento e Apoio; Intensivo e Aluguel Social.
O propósito do programa é assegurar a usuários de drogas direitos como saúde, moradia, liberdade e segurança, enquanto juntos traçam novos rumos para histórias que, muitas vezes, pareciam ter fins já trilhados. “Quando a gente vive na rua, o que mais se escuta é ‘eu não dou nem um mês’, ‘esse daí não chega nem no fim do ano’, ‘quando morrer é um a menos’... Isso entra na sua cabeça e você passa a se subestimar. Hoje reconheço a importância desse apoio. Entendi que meu destino não precisava ser esse, eu não tinha que ser mais um número”, conta Diego (nome fictício), 32 anos, acolhido há três meses. Diego já trabalhou como pizzaiolo e é pai de quatro filhos. Recentemente, graças ao programa, descobriu que uma das filhas estava grávida. Era seu terceiro neto. Os vínculos com a família, quebrados depois da relação de 13 anos com as drogas, começaram a ser retomados. Para ele, um gás a mais no enfrentamento ao crack. “Eu já tinha perdido minha esposa e meus filhos e nada parecia ter sentido, mas ali eu vi que não queria esse fim. Depois de um mês na casa de apoio, vendo todo mundo recebendo visitas e eu não, tive surpresa de ver minha família chegando. A equipe conseguiu contato e eles vieram me ver. Doeu só descobrir a gravidez da minha filha aos sete meses, mas foi uma dor necessária. Eu precisava passar por isso para ter mais garra e lutar por eles. Saber que eu
posso retomar o contato com minha família foi o maior presente que eu recebi do Atitude”, afirma.
RECAÍDAS
Quando não o conhecem em ações das equipes de rua, usuários buscam o serviço por indicação de outras pessoas que estão na mesma situação, como foi o caso de Diego. Por seu caráter acolhedor, o programa tem repercutido de forma positiva até quem resiste em mudar de vida. “O vício é como uma doença que a gente precisa tratar todos os dias. Muitas vezes eu me afastei da casa de apoio por vergonha das recaídas, mas depois percebi que as pessoas de lá só querem nos ajudar. Só de ouvir ‘você vai conseguir’, ‘a gente te entende’, ‘vamos tentar de novo, eu te ajudo’, eu me senti muito mais corajoso. Sei que esse colo é tudo de que nós precisamos”, comenta Alberto (nome fictício), 33 anos
Para o secretário estadual de Prevenção às Drogas e à Violência, Cloves Benevides, este é um dos pontos mais importantes. “O Atitude é um braço do Pacto Pela Vida baseado no respeito aos direitos dos usuários. Nossa abordagem tem foco prioritário em garantir a segurança e a vida dessas pessoas, seja acolhendo nas unidades ou orientando nas ruas.”
O apoio pelo resgate da autonomia dos usuários vem de diversas formas. Seja com palavras de incentivo, ouvindo desabafos, com atividades educacionais ou até mesmo recriando vínculos antes perdidos. Quanto mais apoio o usuário tiver, melhores são os resultados, segundo a coordenadora do Centro de Acolhimento e Apoio do Recife, Karla Rodrigues. “Apesar de estarem inseridos em um mesmo contexto de vício e ameaça, cada usuário tem sua individualidade e isso precisa ser valorizado. Nosso propósito é fazer com que estas pessoas descubram outros prazeres além das drogas e empenhem suas habilidades em coisas que trazem retorno. A educação e a profissionalização entram nesse contexto como as formas mais efetivas de mudança de vida”, explica Karla Rodrigues.
Dentro das unidades são realizadas diariamente atividades de acompanhamento psicológico, grupos de conversa e oficinas. O tratamento também conta com profissionalização fora dos muros das unidades. Na busca por outros prazeres, beneficiados acabaram encontrando nos cursos profissionalizantes novas formas de se reerguer. A sentença de fracasso, prisão ou até mesmo morte, para eles, é algo que deve ficar no passado. “Se eu não estivesse aqui, com certeza, estaria preso ou morto. Aqui tive chance de me formar em mecânica automotiva e sei que, quando estiver 100%, minhas chances de emprego vão aumentar”, lembra Alberto. Sem conter o orgulho, relata ser um dos 89 usuários formados graças às parcerias do Atitude com instituições de ensino profissionalizante. Recentemente pôde, ao lado da família, comemorar o recebimento do diploma com uma festa de formatura no Classic Hall, em Olinda. “Agora eles podem se orgulhar de mim. E é só o começo. Quando estiver bem, quero estudar psicologia, por causa da administração que eu tenho pela equipe que cuida da gente”, diz o mecânico, que tem um filho de 9 anos.
Ao longo destes oito anos já foram oferecidos 37 cursos em diferentes áreas – mecânica, jardinagem, informática, barbeiro e cabeleireira. Além de proporcionar a formação, o programa ajuda na busca por emprego. Segundo levantamentos, nos últimos três anos (2015 a 2018), 32% dos usuários acolhidos no Intensivo estavam empregados. Na categoria Aluguel Social, o percentual chegou a 70%.
Caminhos para o acolhimento
O Atitude possui quatro tipos de atendimento. Os primeiros contatos dos usuários com as equipes podem acontecer de duas formas: pelo Atitude nas Ruas, que hoje conta com oito grupos de profissionais orientando usuários nos locais por onde eles vivem ou circulam, ou pela chegada ao Centro de Apoio e Acolhimento, onde eles podem se alimentar, tomar banho e dormir até que seja avaliado o grau de ameaça e violência sofridas. Cada usuário seguirá um Plano Individual de Acompanhamento (PIA) que ajudará os profissionais a escolherem a melhor forma de manter o beneficiado em segurança. Uma vez passada a etapa do Centro de Acolhimento, se necessário, o usuário poderá ser encaminhado ao Intensivo, devendo ficar por seis meses para tratar o vício. A etapa seguinte é o Aluguel Social, quando é fornecido um imóvel, fora das áreas de risco, para que a vida social seja retomada. Atualmente, 24 pessoas estão nesta categoria.
Só este ano, o Atitude nas Ruas atendeu mais de mil pessoas. Nas abordagens são dadas orientações de higiene, saúde, redução de danos e, caso seja da vontade do usuário, encaminhamento. Já nos Centros de Acolhimento, o número de pessoas recebidas passou 1.500 nos primeiros seis meses. Como tem a função de proteger, e não de tratar o vício, todo acompanhamento é feito em parceria com unidades de saúde e os Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
Com o mesmo orçamento do ano em que teve início (2011), o programa segue sem perspectiva de aumento de unidades. Por enquanto, apenas quatro cidades de Pernambuco oferecem os serviços: Recife, Jaboatão dos Guararapes, Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana, e Caruaru, no Agreste. Apesar da crise, que fez com que o orçamento de R$ 17 milhões caísse para R$ 11 milhões em 2016 e só voltasse ao mesmo valor inicial em 2018, o secretário Cloves Benevides alega que os/ serviços não foram afetados. “Aprendemos a fazer mais mesmo estando com menos. Refletimos sobre os serviços, repensamos as abordagens e conseguimos driblar a crise em um momento de decréscimo de investimento. Por enquanto, não há aumento de unidades ou equipes, mas estamos em processo interno para discutir nova rodada de otimizações, o que pode culminar na redefinição de territórios”, justifica.