CIDADANIA

Cidades compartilham experiências para afastar a violência

Representantes de quatro capitais nordestinas se reuniram para definir estratégias e salvar jovens

Thiago Cabral
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Thiago Cabral
Publicado em 11/05/2019 às 12:28
Foto: Bianca Sousa/JC Online
Representantes de quatro capitais nordestinas se reuniram para definir estratégias e salvar jovens - FOTO: Foto: Bianca Sousa/JC Online
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Para salvar vidas da criminalidade, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) reuniu na capital do Ceará gestores municipais para discutir e compartilhar iniciativas que possam integrar uma agenda comum entre Recife, Fortaleza, Salvador e Maceió. A proposta foi compartilhar experiências para ajustar formas de apuração e sistematização de dados que possibilitem mais ações de prevenção ao homicídio de crianças e adolescentes.  

As cidades de Salvador e Fortaleza, no Nordeste, e do Rio de Janeiro e São Paulo, no Sudeste, foram usadas como exemplo, por disporem de um comitê apoiado pela Unicef que reúne dados para auxiliar na prevenção. No caso de Fortaleza, o último estudo realizado pela Unicef, no ano passado, constatou que das 4.518 pessoas assassinadas no Ceará, 829 eram adolescentes. Na capital cearense o número de homicídios de pessoas de 10 a 19, passou de 981 em 2017, para 829 em 2018, após a implementação do Comitê Cearense de Prevenção de Homicídios na Adolescência. 

A integrante da área de proteção de crianças e adolescentes da Unicef, Helena Oliveira destacou a importância de se entender a amplitude do caminho do jovem até a criminalidade.“O fato de um menino ser assassinado num município não é só um problema de segurança pública. Porque quando a gente pára e observa, no histórico dele tem expulsão de uma rede de atenção, ou saiu da escola, ou está numa situação de vulnerabilidade. Se tivessem ações preventivas contra a violência, esse menino não chegaria até linha da morte”, salientou Helena.

“O princípio é de que é possível prevenir essas mortes violentas contra a juventude. Em Fortaleza desenvolvemos uma ‘caixa de ferramentas’, que são protocolos de como se deve ser essa prevenção. Porque o município tem a competência de promover qualificação urbana, melhorar as condições dos bairros, investir mais no atendimento socioeducativo, Investir em jovens aprendiz, entre outras coisas, para que esse menino tenha condições adequadas”, elucidou Helena. 

De acordo com a secretária-executiva de assistência social do Recife, Geruza Felizardo, que esteve presente no encontro em Fortaleza, a ideia é propositiva e segue os direcionamentos usados para equipamentos como Compaz. Ela contou que na próxima segunda-feira reunirá as Secretarias de Saúde, de Assistência Social e Juventude e a de Segurança Pública para discutir a criação de um comitê municipal similar ao do Ceará.

“Não temos isso no Recife, temos as universidades pensando separadamente, a Saúde com um banco de dados, e a Segurança Pública com outro banco de dados. É importante para produção de conhecimento porque ajuda na criação de políticas públicas Se a gente conseguir sistematizar e aglutinar esses dados de forma contínua só temos a ganhar”, observou a secretária. 

 

ESTUDO

Levantamento feito no início deste ano pela Secretaria de Segurança Pública do Recife apontou que nas 16 localidades mais violentas da cidade residem 48% da população. Em 2018, elas concentraram 51,4% dos 601 homicídios. Segundo a pesquisa da secretaria, a implantação do Compaz está diretamente relacionada à redução da taxa de homicídios por 100 mil habitantes, que passou de 25,96 em 2017 para zero em 2018.

Ainda de acordo com o estudo, o Alto Santa Terezinha, onde foi instalado o primeiro Compaz, junto a outros cinco atendidos pela unidade (Água Fria, Beberibe, Bomba do Hemetério, Dois Unidos e Linha do Tiro) tiveram pelo segundo ano consecutivo redução dos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs), que passaram de 50 em 2017, para 47 em 2018. 

O estudo também aponta que 56,6% desses crimes foram praticados por jovens de 18 a 30 anos; 36,4% por adultos de 31 a 65 anos; 4,5% por adolescentes de 13 a 17 anos; 0,5% por crianças de 1 a 12 anos e 0,5% por pessoas acima de 65 anos. A gerente-geral do Compaz Ariano Suassuna, no Cordeiro, Ana Cecilia Gonzalez destacou a importância de equipamentos sociais de acolhimento a essas crianças e adolescentes. “A pessoa entra no Compaz e consegue ter acesso a direitos e serviços. Isso consequentemente tem um reflexo direto na criminalidade do local onde a criança ou adolescente mora”. 

O Compaz oferece cursos educacionais, de informática, de qualificação técnica, esportes, práticas integrativas, psicólogas e serviço de proteção e atendimento relacionados aos direitos humanos. “Com essa retaguarda social conseguimos garantir oportunidades e ofertar para essas pessoas, jovens, crianças, adolescentes e idosos, o que a classe média tem acesso, em consequência isso afastá-los da criminalidade”, observou Ana Cecilia Gonzalez. Recife tem duas unidades do Compaz, atendendo a uma média de 32 mil pessoas e ofertando quase 14 mil vagas para cursos e atividades. 

NÚMEROS

  • 896 homicídios aconteceram em Pernambuco este ano, até março, segundo o último boletim da Secretaria de Defesa Social do Estado

  • 77 das 896 pessoas assassinadas no Estado, no 1º trimestre de 2019, eram jovens com idades entre 0 e 17 anos. Outras 267 tinham de 18 a 24 anos

  • 24 homicídios foram cometidos em Pernambuco por jovens entre 12 e 17 anos nos primeiros três meses de 2019, ainda segundo a SDS

NOVOS CAMINHOS

Aos 10 anos de idade Washington das Neves já estava no crime. Andava com uma arma na cintura. Achava normal enfrentar o que fosse preciso, sem medo da lei. Aos 12 anos saiu de Aracaju, capital sergipana, onde morava com o pai, porque estava jurado de morte. Passou a viver com a avó paterna no Alto Santa Terezinha, Zona Norte do Recife. Na capital pernambucana repetiu os caminhos da criminalidade. Seu futuro estava entre ser preso ou ser morto. Aos 18 anos recebeu convite para frequentar aulas de jiu-jitsu. Hoje, aos 36 anos, ensina a arte marcial a outros jovens no Compaz Eduardo Campos, no mesmo bairro onde mora desde que chegou ao Recife.

No saldo da vida de Washington o que fez diferença foi a chance de conhecer outros caminhos. “Percebi que falta à juventude a oportunidade de viver de perto as artes, o esporte, de gerar interesse por cultura e leitura. Tenho certeza de que estruturas como o Compaz salvam vidas”, ressaltou. “Tudo que fiz de crime foi por sofrer com a má influência. As pessoas chegavam e me ofereciam dinheiro fácil. É muito tentador. Se você não tem nada para fazer, vai acabar procurando algo. Para o bem, ou para o mal”, destacou.

Desde que se graduou faixa preta em 2013 e tirou a licença pela Confederação Brasileira de Jiu-jitsu, passou a transformar vidas. Hoje dá aula de jiu-jitsu a mais de 120 jovens de todas as idades. O trabalho tem revelado talentos que, muito provavelmente, acabariam no crime. Leandro Moreira da Silva, 15 anos, um dos alunos, foi campeão na categoria pesadíssimo infantojuvenil este ano. E lembra que aos 10 anos já cometia crimes. “Quando estava nesse mundo não tinha noção do perigo que eu corria, para mim era normal aquilo, era muito menino, não sabia.”

Hoje quer ajudar amigos a saírem do crime. “Aprendi outro caminho, e tento sempre levar mais algum amigo para perto de mim, chamando para treinar. Digo: ‘Depois de tu ver a primeira aula, e gostar, tu vai perceber o quanto isso vai mudar tua vida’. Quero ajudar”, disse o adolescente que pretende ser atleta profissional. A tia dele, a comerciante Leonice Maria da Silva, 32, confirma a mudança. “Hoje ele é outra pessoa. Está focado em estudar, não faz coisa errada, me ajuda na casa e tem seguido o rumo dele no esporte.”

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