
Fofas, engraçadas e adoráveis. As crianças têm o poder de transformar o humor de quem convive com elas e, muitas vezes, nem é preciso estar por perto: basta se conectar às redes sociais para clicar em publicações com esses ser humaninhos e, assim, cair na gargalhada. Após isso, é só curtir e compartilhar o conteúdo para que os amigos se divirtam também. É aí que a publicação pode sair do controle e viralizar. Apesar de parecer inocente, compartilhar uma foto, vídeo ou meme de uma criança pode abrir precedentes para diversos desdobramentos, que, por sua vez, podem vir atrelados a julgamentos e constrangimentos para elas. Diante disso, cabe aos pais ou responsáveis ter cautela na hora de publicar conteúdos de crianças em suas redes sociais.
"É necessário ter um cuidado quando for expor alguém nas redes sociais, é preciso ter um consentimento. Uma criança não tem a possibilidade de consentir, então cabe aos pais ou responsáveis ter cautela no momento de fazer a publicação. A criança é uma pessoa que merece respeito, que precisa ser cuidada e protegida", explicou a psicóloga Jullia Caldas.
Extenso, o mundo virtual pode ser um caminho sem volta para quem faz uma publicação na rede, já que os diversos compartilhamentos, em diferentes plataformas, fazem com que o autor do post perca o controle de quem teve acesso ao conteúdo ou com quem e onde ele foi compartilhado. Nesta segunda (19) e terça-feira (20), por exemplo, um vídeo que mostra uma briga entre duas irmãs de, 3 e 6 anos, na hora do "parabéns", em uma festa, viralizou e logo o conteúdo virou meme em diversas páginas. Além de serem motivos de risos, as meninas foram criticadas por diversas pessoas, mesmo sem conhecê-las.
"Cada pessoa lida diferente com a situação, então virar um meme ou ser alvo de críticas na internet pode ser algo que marque a vida da criança a ponto dela desenvolver uma autoestima baixa, insegurança ou até mesmo uma personalidade mais agressiva", disse Jullia.
Por precaução, a professora de Língua Portuguesa Lívia Couto, de 27 anos, optou por deixar suas redes sociais privadas e pouco compartilhar fotos e vídeos da sua filha, Luísa, de 8 anos. "Geralmente quando o filho ainda é um bebê, a gente tem uma tendência maior a postar conteúdos. Hoje tenho uma cautela maior, ela já cresceu, às vezes tem vergonha de se expor e eu escuto a opinião dela", declarou a professora.
No dia 18 de setembro de 2020, entrou em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que dispõe sobre a coleta, armazenamento e distribuição de informações pessoais e também prevê a proteção da privacidade de crianças e adolescentes no ambiente digital.
Para Lívia, além do constrangimento que pode ser vivenciado pela filja, o medo também bate à porta quando ela imagina que o conteúdo também pode cair em mãos erradas. "Não tenho postado conteúdo com localização e nas fotos e vídeos sempre me preocupo com a forma na qual ela está sentada, em focar mais no rosto do que no corpo, já que tem muitos pedófilos utilizam a internet para cometer crimes", desabafou. A professora também contou à reportagem do JC do medo que sempre teve com relação a postar, por exemplo, a filha com fardamento escolar e que, hoje, só se sente mais tranquila, porque a criança estuda no local onde ela trabalha.
Além do cuidado em suas próprias redes sociais, a professora também afirmou que redobra a atenção na conta criada para a filha, que é logada em seu aparelho celular. "Todas as publicação passam pela minha triagem, além da conta dela ser privada e só ter pessoas conhecidas. Também sempre estou de olho nos conteúdos acessados por ela", concluiu.
Direitos das crianças devem ser respeitados
De acordo com Alessandra Borelli, advogada e sócia-diretora da Opice Blum Academy, que é uma empresa de educação digital, muitas vezes a exposição de crianças e adolescentes podem violar os direitos e garantias previstas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
"Entre os constrangimentos enfrentados pela criança pode existir a prática do bullying ou ciberbullying, além da possibilidade das imagens envolvendo crianças chegarem nas mãos de predadores sexuais. Atualmente, é fácil ter acesso a informações de crianças detalhadas, porque muitas pessoas compartilham informações sobre a rotina, por exemplo, que pode servir de insumo para que pessoas mal intencionadas possam praticar seus crimes", explicou a advogada.
Em conversa com o JC, a advogada alertou que os pais devem ficar atentos ao artigo 17 do ECA, que fala sobre o direito ao respeito, e consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais; e ao artigo 18, que diz que é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Quando os adultos receberem conteúdos envolvendo imagem de crianças ou adolescentes que possam ser constrangedores devem entender que o compartilhamento ajuda a disseminar as publicações, por isso, o ideal é que os conteúdos sejam deletados, segundo Alessandra Borelli.
Para evitar problemas, o ideal é o que os pais ou responsáveis sempre ponderem antes de fazer qualquer publicação, já que se o compartilhamento do conteúdo fugir do controle do autor, de forma que não o agrade, a possibilidade de tirá-lo do ar é muito mais difícil. "Não tem como conter o compartilhamento, então o que se pode fazer, a depender da plataforma, solicitar a remoção do conteúdo, por vezes de forma judicial, por vezes de forma extrajudicial", explicou a advogada.
Dicas de como os pais podem garantir a segurança das crianças na internet
A advogada Alessandra Borelli fez uma lista de como os pais ou responsáveis devem agir para prevenir a integridade da criança na internet. Confira:
1. Nunca acredite que seu(sua) filho(a) está 100% seguro na internet.
2. Converse a respeito de tudo sim. Se ele(a) tem um smartphone é hora de conversar sobre tudo e comece dizendo que na internet qualquer um pode se fazer passar por qualquer um e por aí vai.
3. Leve a sério a classificação indicativa de jogos e mídias sociais
4. Explique as razões pelas quais não deve expor tantas informações a seu respeito
5. Instale softwares de controle parental, mas lembre-se que nada substitui o diálogo, o "olho no olho"
6. Observe e valorize mudanças repentinas de comportamento
7. Ao publicar fotos de sua criança na internet:
a) Jamais a exponha sem ou com pouca roupa
b) Observe se a imagem indica facilmente onde estuda ou reside
c) Desnecessário colocar o nome e sobrenome da criança
d) Dizer que tem medo disso ou adora aquilo também são informações que o mundo não precisa saber
e) Realize a configuração de privacidade do seu perfil e aceite/adicione somente pessoas que conhece. Ou você sairia por aí distribuindo fotos de sua família para desconhecidos? Lembre-se do poder de perpetuidade, disseminação e perda do controle de um conteúdo digital.
8. Estabeleça um canal de comunicação bem acessível e acolhedor dentro de casa.
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