GASTO PÚBLICO | Notícia

Estatais gastaram até R$ 83,45 milhões com a realização do G-20 e ‘Janjapalooza’

As informações estão no acordo de cooperação internacional firmado por Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES e Petrobras com a OEI

Por Estadão Conteúdo Publicado em 14/01/2025 às 21:32

Empresas estatais brasileiras pagaram até R$ 83,45 milhões para a realização da cúpula do G20 e do festival Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, com show de artistas que ficou conhecido como “Janjapalooza”, diante da participação da primeira-dama Janja Lula da Silva na organização do evento. As informações estão no acordo de cooperação internacional firmado pelo Banco do Brasil (BB), pela Caixa Econômica Federal (Caixa), pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pela Petrobras com a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), que especifica o G-20.

Pelo acordo, cada uma dessas quatro estatais se comprometeu a destinar até R$ 18,5 milhões para o evento, totalizando R$ 74 milhões. Apenas a Petrobras informou não ter custeado o valor cheio, tendo pago R$ 12,95 milhões. Como mostrou o Estadão, a Itaipu Binacional, que não faz parte deste acordo, doou mais R$ 15 milhões , atingindo o total de R$ 83,45 milhões.

Ao responder a um requerimento de informações (RIC) da deputada Adriana Ventura (Novo-SP) e de outros congressistas de oposição, o Ministério da Cultura (MinC) disse que o valor investido foi de R$ 77,3 milhões. Os recursos foram originados nos estatais e na Prefeitura do Rio de Janeiro, segundo as informações prestadas pelo MinC. Segundo o governo, não houve apoio de empresas privadas.

Procurados, o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa, a Petrobras e a Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência afirmaram que o evento atingiu as normas pertinentes e que os gastos totais ainda estão sendo computados pela OEI. A organização também foi procurada, mas não respondeu (leia mais abaixo). Os documentos sobre o acordo de cooperação internacional foram obtidos pelo Estadão por meio da Lei de Acesso à Informação, por meio de um pedido direcionado ao BNDES.

Os dirigentes da OEI no Brasil serão os próximos da primeira-dama, Janja Lula da Silva. No começo de 2023, a entidade chegou a oferecer uma carga para uma socióloga paranaense, mas as tratativas não foram adiante. Janja se envolveu na organização do G-20 e na curadoria do festival de música Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, o que levou o evento a ser apelidado de “Janjapalooza”. Durante as atividades do G-20, uma pessoa da plateia chamou o festival pelo apelido, o que irritou a primeira-dama.

“Para fins de execução do objeto (a realização do evento), a Petrobras, a CEF, o BNDES e o Banco do Brasil, se comprometem a realizar, cada uma delas, o repasse de até R$ 18.500.000,00 (dezoito milhões e quinhentos mil reais) em favor da OEI, totalizando o montante de até 74.000.000,00 (setenta e quatro milhões de reais)”, diz um trecho do acordo.

O conjunto de documentos obtidos pelo Estadão inclui um orçamento preliminar com a previsão de gastos de R$ 74 milhões a serem doados pelo BNDES, Caixa, BB e Petrobras. Só com o “Janjapalooza” havia gastos previstos de R$ 28,3 milhões. Outros R$ 27,2 milhões seriam gastos com a cúpula do G-20 Social, uma reunião de movimentos sociais realizada pouco antes do evento principal.

A reunião de chefes de Estado, razão de ser do encontro no Rio, custaria menos da metade dos outros dois eventos: cerca de R$ 13 milhões.

Os documentos detalham o orçamento do “Janjapalooza”: o gasto descrito como “jurídico / administrativo” soma R$ 543 mil, bem mais que as passagens aéreas (R$ 248 mil) e as hospedagens dos convidados (R$ 188 mil). Os maiores gastos orçados são com “cenografia / infraestruturas” (R$ 7,9 milhões), e com “locação de equipamentos” (R$ 5,1 milhões).

Há ainda a cobrança de uma “taxa de administração” da OEI de 8% sobre o valor pago pelas empresas estatais. Segundo a estimativa, o festival em si – G-20 Social, o festival de música e a cúpula de líderes – custariam R$ 68,5 milhões. Já a taxa de administração da OEI poderia chegar a até R$ 5,4 milhões, totalizando os R$ 74 milhões a serem doados pela Caixa, Banco do Brasil, BNDES e Petrobras.

Em outro trecho do documento há uma “conciliação de contas parcial”. Neste documento, as informações sobre o “Janjapalooza” estão em branco. Questionado pelo Estadão , o Serviço de Informações ao Cidadão (SIC) do BNDES informou que os dados estão em branco porque não teria sorte de emprego de recursos no festival. Já a estatal Itaipu destinou dinheiro para o evento cultural paralelo à reunião de cúpula.

Tanto no caso do G-20 Social quanto da reunião de líderes, os valores da prestação de contas parcial ficaram próximos do orçamento inicial. Neste novo documento, o G-20 Social aparece com custos previstos de R$ 29,6 milhões, e total “liquidado/pago” de R$ 26,8 milhões (pouco menos que os R$ 27,2 milhões do orçamento inicial) . Já a cúpula dos líderes saiu de R$ 13 milhões na previsão inicial para R$ 11,6 milhões efetivamente pagos.

Em novembro, o Estadão trouxe as primeiras informações sobre o patrocínio das estatais para o “Janjapalooza” e o G-20 – à época, BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica se recusaram a informar o que tinham sido reportados para o evento. O assunto virou alvo de congressistas de oposição, e o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu investigação com base em pedidos dos deputados federais Sanderson (PL-RS) e Gustavo Gayer (PL-GO).

À época, o Ministério da Cultura disse que os artistas que se apresentaram no evento receberam caches simbólicos e que os gastos seriam divulgados posteriormente – sem dar prazo. O evento se estendeu por três dias e recebeu ofertas de artistas de renome nacional, como Alceu Valença, Zeca Pagodinho e Ney Matogrosso. A entrada foi gratuita.

Durante a reunião do G-20, a primeira-dama Janja Lula da Silva se irritou com uma pessoa da plateia que usou o termo “Janjapalooza”. “Não, filha. É Aliança Global contra a Fome à Pobreza. Vamos ver se consegue entender a mensagem, tá?”, disse ela.

O que dizem o governo e as estatais

Ao Estadão , o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa e a Petrobras afirmaram que o pagamento à OEI se justifica pela importância do evento. Com exceção da Petrobras, as outras empresas não disseram se pagaram o valor cheio de R$ 18,5 milhões, ou menos que isso. Já a Secom da Presidência da República disse que o evento foi feito de acordo com o decreto de 2024 que regulamenta este tipo de parceria internacional, e que os custos ainda estão em apuração.

Como mostrou o Estadão , a Petrobras disse, em novembro, ter pago o valor completo, de R$ 18,5 milhões. Agora, em nova nota ao jornal, a estatal disse que o pagamento é limitado a R$ 12,95 milhões. “O acordo prévio de transporte de até R$ 18,5 milhões por parte da companhia, tendo sido realizado o desembolso de R$ 12,95 milhões para execução das atividades previstas, não tendo mais aporte a realizar”, disse a Petrobras, em nota.

“De acordo com a prestação de contas parciais apresentadas pela OEI, o montante de R$ 12,95 milhões foi integralmente destinado à Cúpula de Líderes e à Cúpula Social. Não houve emprego de recursos das cooperantes na execução do Festival da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza”, disse a Petrobras. “A participação no Acordo de Cooperação Internacional se deu por camadas entre a companhia e temas centrais tratados no G-20, como a construção de um planeta mais sustentável”, afirmou o estatal.

A Secom da Presidência da República disse que o acordo com a OEI altera o previsto na legislação. “Cabe destacar que como prevê o Acordo de Cooperação Técnica entre as estatais, a prestação de contas tem prazo de 90 dias contados do final das atividades, tendo essas empresas 60 dias para realizar a análise da prestação de contas. Portanto, as informações sobre os custos destinados ao G-20 estão em fase de consolidação, não tendo ainda o total global”, disse a Secom.

Em nota, o BNDES afirmou que o acordo vedava o uso de verbos do banco para o pagamento de caches. “Alinhado à missão e à estratégia do BNDES, o termo de cooperação contribuiu para a promoção de novos negócios e para a captação de R$ 25,3 bilhões em investimentos para o Brasil (por meio de acordos com CDB, AIIB, CAF e AFD ), além de novos compromissos e doações para o Fundo Amazônia”, disse o estatal, em nota.

“Os gastos com recursos do BNDES estão em fase de contabilização final pela OEI, serão auditados por empresa independente. As informações completas sobre a execução financeira serão publicadas em plataformas de transparência pública, bem como prestadas aos órgãos de controle, após finalização da fase de prestação de contas e auditorias externas”, disse o BNDES.

O Banco do Brasil justificou o pagamento pela “relevância, ineditismo e alcance global do projeto”. “O acordo do BB com a OEI tinha por objeto a cooperação para a preparação, organização e realização de eventos e atividades relacionadas ao G-20. O valor final ainda será calculado, considerando as comprovações a serem apresentadas pela entidade”, disse o banco.

“Durante o G-20, o Banco do Brasil firmou acordos que somam até R$ 4 bilhões em investimentos sustentáveis e participou da discussão em diferentes temas relacionados ao G-20. A partir de sua expertise, o BB e outras empresas públicas entregaram uma carta com propostas aos chefes de estado que compõem o G-20. No documento, as empresas apresentam 32 contribuições relacionadas à transição energética, à reforma da governança global e ao combate à pobreza e à fome, dentre outras”, disse a empresa.

Por meio da assessoria de imprensa, a Caixa disse que os gastos com o evento ainda estão sendo calculados. “O valor final de desembolso será calculado considerando as prestações de contas apresentadas pela OEI”, disse a CEF, em nota.

“Para a CAIXA, a participação no Acordo de Cooperação Internacional foi uma oportunidade de fortalecer seu papel como agente de desenvolvimento socioeconômico no Brasil, além de se posicionar como líder em práticas de desenvolvimento inclusivo, promover o intercâmbio de conhecimentos e fortalecer parcerias com atores globais ”, disse a empresa.

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