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Mulheres maduras e o desafio do mercado de trabalho

Apesar de atingirem seu potencial criativo aos 50 anos, no cinema e no mercado de trabalho, mulheres maduras enfrentam preconceitos de gênero e idade

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Maria Clara Trajano

Publicado em 08/03/2025 às 7:00
Mulheres maduras em ambiente corporativo - Pexels

Aos 59 anos, Fernanda Torres vive um dos momentos mais importantes de sua carreira. Com a vitória no Globo de Ouro e a indicação ao Oscar de Melhor Atriz por "Ainda Estou Aqui", a atriz alcança um reconhecimento internacional inédito, décadas após sua estreia. Seu sucesso, porém, é um caso incomum em um mercado que frequentemente descarta mulheres conforme envelhecem.

Outras atrizes internacionais também enfrentaram esse fenômeno. Demi Moore, também indicada ao Oscar de Melhor Atriz neste ano, viu sua carreira entrar em declínio após os 40 anos, mas conseguiu se reposicionar em Hollywood e ganhar seu primeiro prêmio de atuação na carreira: o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme de Comédia/Musical, por sua atuação em “A Substância”.

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Viola Davis, que conquistou um Oscar, um Emmy e um Tony já depois dos 50, é um exemplo de persistência em uma indústria que privilegia a juventude.

Luciana Corrêa, pesquisadora e doutoranda da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), destaca que essa valorização tardia não acontece por acaso.

"As mulheres passam por tantos desafios ao longo da vida pessoal e profissional que, quando chegam aos 50 ou 60 anos, muitas estão no auge da potência criativa e intelectual. Elas acumulam conhecimento, experiência e um equilíbrio emocional que as tornam extremamente produtivas. Mas o mercado ainda não está preparado para absorver toda essa potência", afirma.

Etarismo na carreira das mulheres

O etarismo, ou preconceito contra a idade, é uma realidade no ambiente corporativo. Segundo um estudo da EY e da Maturi, 54% das empresas brasileiras não possuem políticas estruturadas para contratar profissionais acima dos 50 anos. Essa exclusão afeta principalmente as mulheres, que, além de enfrentarem a discriminação etária, lidam com o sexismo estrutural.

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Corrêa reforça que esse preconceito se manifesta de formas sutis e diretas. "Uma mulher de 40 anos já é considerada velha no mercado. Ela encontra mais dificuldades para promoções e, se perde o emprego, tem muito mais dificuldade de recolocação. E quando são substituídas, quase sempre é por uma mulher mais jovem", explica.

A pesquisadora também aponta que o etarismo está profundamente ligado à imagem corporal. "O mercado de trabalho ainda exige um 'corpo desejado', não é o desejado sexualmente, mas é aquele corpo aceito, e a mulher que envelhece, que passa por transformações naturais como a menopausa, é vista de forma diferente. Cabelos grisalhos, mudanças no metabolismo e outros sinais do envelhecimento muitas vezes são interpretados como desleixo ou falta de energia, enquanto um homem grisalho é visto como charmoso e experiente", pontua.

Recomeçar depois dos 50

Se para algumas mulheres o etarismo representa um obstáculo, para outras é um desafio a ser superado. Andréa Silva, hoje técnica em enfermagem, viu sua vida mudar completamente. Durante anos, trabalhou no setor de supermercados, depois se dedicou exclusivamente à casa e à família. Apenas após o término do casamento, em 2019, decidiu retomar os estudos.

"Minha filha estava fazendo faculdade e me incentivou muito. Ela dizia: 'Mãe, a senhora precisa estudar'. Eu terminei o ensino médio, fiz um curso de cuidadora de idosos e depois entrei no técnico de enfermagem. Sempre gostei de cuidar de pessoas", conta Andréa.

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Aos 50 anos, ela concluiu o curso e entrou no mercado de trabalho. "Foi um desafio, porque eu tive que aprender junto com jovens que tinham mais facilidade com os estudos. Mas me dediquei muito e consegui. Hoje, estou atuando no home care e sigo buscando uma vaga em hospital", afirma.

Luciana Corrêa destaca que as áreas ligadas à economia do cuidado, como saúde e educação, são algumas das que mais absorvem mulheres maduras no mercado de trabalho.

"Existe uma ideia muito enraizada de que a mulher tem uma vocação natural para o cuidado, e isso faz com que essas áreas sejam mais permeáveis à contratação de mulheres mais velhas", explica. Segundo ela, profissões como enfermagem, assistência social e ensino acabam sendo caminhos mais viáveis para mulheres que buscam uma recolocação profissional depois dos 50 anos.

Andréa também planeja continuar aprendendo. "Quero fazer um curso de nefrologia, um curso de curativos, para melhorar meu currículo. Também quero prestar concurso, porque isso me daria mais segurança", diz.

Uma mudança possível

Embora o preconceito contra mulheres mais velhas ainda seja forte, exemplos como o de Andréa mostram que há espaço para transformação. Empresas que adotam políticas de diversidade etária tendem a ter ambientes mais inclusivos e produtivos.

"A troca entre gerações é algo extremamente rico para o mercado de trabalho. O que precisamos é quebrar paradigmas e criar espaços reais para essa interação", pontua Luciana Corrêa.

Com uma população cada vez mais envelhecida no Brasil e no mundo, o mercado precisa se adaptar. Políticas públicas e programas de inclusão e formação para mulheres acima dos 50 anos são passos importantes nessa direção.

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