Mulheres trans negras no Brasil sofrem sobreposição de preconceitos, que potencializam a exclusão
O Dia da Consciência Negra também serve para refletir sobre o racismo contra pessoas trans e travestis negras, que sofrem triplo preconceito

Não bastasse o racismo estrutural no Brasil, ele ainda é marcado por gradações, afetando de maneiras diferentes diversos grupos sociais. Para além do preconceito contra a população negra como um todo, as mulheres negras são duplamente discriminadas pelo racismo e o machismo. No caso das travestis e mulheres trans, recaem sobre elas o preconceito de cor, o machismo e a intolerância com a identidade de gênero e a orientação sexual.
Entranhado nas estruturas políticas econômicas e sociais do País, o racismo estrutural está presente na educação, no mercado de trabalho, na representatividade na política, na violência, na pobreza e no sistema prisional.
TRANS NEGRAS
Em 2022, a Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (ANTRA) entregou uma carta à representante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), apontando a situação da população trans negra no Brasil. No documento, a Antra destaca os dossiês de assassinatos de pessoas trans publicados entre 2017 e 2021, confirmando que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo.
A cada 48 horas uma travesti ou mulher transexual é assassinada no Brasil, sendo que cerca de 70% das vítimas têm entre 16 e 29 anos, o que contribui para que a expectativa de vida da população trans no Brasil seja a menor do mundo, em torno de apenas 35 anos.
POLÍTICAS PÚBLICAS
Também são as pessoas trans negras que sofrem, de forma recorrente, maior dificuldade de acesso a políticas públicas e são maioria que não tem acesso a retificação de nome e gênero nos termos da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. Segundo o dossiê da Antra, as travestis e mulheres trans negras, são a maioria daquelas em situação de rua, na prostituição, vivendo com HIV e no sistema prisional.
Vice-presidente da Antra e ativista há 16 anos, Chopely Santos defende a necessidade de fortalecer as instituições estaduais e municipais para atender a população LGBTQIAPN+ e negra. “Ao invés de ter apenas uma gerência, o governo do Estado poderia ter uma secretaria executiva. No caso dos municípios, um bom exemplo é a Prefeitura de Camaragibe, que foi a primeira do Brasil a criar um Centro Integrado de Saúde e Cidadania para a população LGBTQIAPN+”, sugere.
MERCADO DE TRABALHO
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE, as desigualdades raciais no mercado de trabalho brasileiro são evidentes. As mulheres negras estão desproporcionalmente representadas em trabalhos informais e de baixa remuneração.
Os dados revelam que no 4º trimestre de 2023, entre as mulheres ocupadas com inserção informal no mercado de trabalho, 41% eram negras e 31% não negras. A PNAD aponta também que 91% das trabalhadoras domésticas no Brasil são mulheres e 67% delas são negras.
Além da cor da pele, a identidade de gênero também é uma barreira ao mercado de trabalho. “É verdade que já se avançou muito e estamos distantes do que já fomos, mas ainda longe de onde se quer chegar”, diz a diretora executiva do Instituto Enegrecer, Manoela Alves, especialista em inclusão nas empresas.
“Muitas vezes ouvimos das empresas que não estão preparadas para ter pessoas trans. acontece que os desafios são iguais aos de receber qualquer outro profissional. É na diferença que a gente aprende a crescer na sociedade”, observa.
REIVINDICAÇÕES
Na carta enviada à CIDH pela Antra foram apontadas pelo menos dez demandas. Uma delas é incluir as pautas de travestis e transexuais negras em todas as propostas de ações e políticas de enfrentamento ao racismo.
Outra reivindicação é estimular a participação de travestis e transexuais a fazer uso das políticas afirmativas para a população negra, como concorrer a cotas raciais em concursos públicos e vestibular. Um outro pleito é promover campanhas publicitárias de promoção da cidadania, valorização e apoio às travestis e transexuais negras.