É na cidade que a vida acontece: tanto para as oportunidades que surgem, quanto para os problemas crônicos que podem se transformar em crises para uma comunidade, ou um bairro inteiro. Como no caso de Nova Descoberta, lugar que ganhou as manchetes nacionais, há poucos dias, após uma chacina de sete pessoas no sábado.
A violência cotidiana normalizada pelas autoridades atormenta a população, evidencia o descontrole do território pelo poder público – e o controle dos bandidos do tráfico de drogas, que não apenas fazem da área uma zona de guerra, como recrutam adolescentes e jovens para engrossarem as fileiras da criminalidade, sem que a gestão pública em todos os níveis se apresente para conter, com eficiência, a invasão bem-sucedida do crime.
Dados revelam a realidade
De acordo com o Instituto Fogo Cruzado, em 19 tiroteios anotados em 2024, 18 indivíduos morreram assassinados, a maioria jovens recrutados pelo tráfico – no vácuo de oportunidades e de atenção devida do poder público. Em 2023, foram 32 tiroteios e 29 mortos. Desde 2018, o total de tiroteios computados chega a 144, com 120 mortos nesse período de lá para cá. E o que a administração pública – municipal, estadual e federal – tem feito para devolver o território à população sequestrada pela violência dos criminosos? Sim, trata-se de uma questão complexa, que envolve uma fatia vulnerável dos recifenses, que também são pernambucanos e brasileiros.
Infelizmente, na cidade, no estado e no país, em muitas décadas, o investimento público na solução de problemas para os mais vulneráveis não tem sido prioridade. A preferência é por políticas públicas paliativas, como se o corpo social envolvido não tivesse salvação.
Os moradores de Nova Descoberta, como de outras áreas no Recife e na Região Metropolitana, sofrem. Dizem que a polícia sabe do tráfico de drogas intenso no bairro, mas pouco age contra o crime que todos veem. Também dizem que os assassinados eram traficantes ou dependentes de drogas endividados.
Sob diversos ângulos – da segurança, da economia, da saúde, da educação, da cidadania – não faltam intervenções a serem postas e ativadas pelo poder público. O que não quer dizer que não seja necessária a repressão. Mas nem a repressão inteligente, com proteção à população, é realizada, nem as políticas sociais efetivas parecem encontrar escala suficiente para enfrentar e vencer a criminalidade.
Em qualquer cidade, as crises de segurança relacionadas ao descontrole de grandes áreas de comunidades para o tráfico de drogas e a guerra de gangues, não são problemas isolados para os quais a gestão pública pode fechar os olhos. Sob pena de a crise se espalhar na cidade inteira.
Muito antes disso, em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Recife, no Cabo de Santo Agostinho ou em outra cidade do Brasil, as prefeituras, em articulação com os governos estaduais e o governo federal, precisam assumir a sua responsabilidade diante de um problema real, incontornável, para o qual a solução pode ser complexa, mas não é impossível – a não ser que nada se mova na direção do que se sabe que é preciso ser feito.