Priscila Lapa: a economia aquece, mas a diferença de gênero permanece
O crescimento econômico do Brasil em 2024 ficou entre as economias mais dinâmicas do mundo, superando o desempenho de países desenvolvidos

O Brasil registrou um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 3,4% em 2024, consolidando-se como uma das economias que mais cresceram no mundo no último ano, e se posiciona entre as dez maiores economias globais, com reforço da sua relevância no cenário internacional. No entanto, apesar do avanço expressivo da atividade econômica, os desafios relacionados ao desenvolvimento econômico e à distribuição da riqueza permanecem centrais no debate sobre o futuro da economia brasileira.
O crescimento do PIB foi impulsionado, principalmente, pela elevação dos investimentos, que avançaram 7,3% no ano; e pelo consumo das famílias, que registrou um aumento de 4,8%, sua maior alta desde 2011. A expansão do crédito, a redução da taxa de desemprego e programas de transferência de renda foram determinantes para a elevação do consumo. Além disso, a indústria apresentou um desempenho positivo, crescendo 3,3%, com destaque para o setor da construção civil, que se beneficiou da ampliação do crédito imobiliário e da melhoria do mercado de trabalho.
O crescimento econômico do Brasil em 2024 posicionou o país entre as economias mais dinâmicas do mundo. O avanço de 3,4% superou o desempenho de países desenvolvidos como Alemanha (-0,2%), Reino Unido (0,5%) e Estados Unidos da América do Norte (2,5%), que enfrentam desafios como inflação elevada e restrições monetárias. Em comparação com as principais economias emergentes, o Brasil ficou atrás da Índia (6,5%), Filipinas (5,6%) e Indonésia (5,0%). Comparando com as principais economias da América do Sul, o Brasil teve um desempenho superior ao de países como Argentina (-1,8%), Chile (2,4%) e Uruguai (2,0%).
A análise do desempenho econômico do Brasil na última década mostra um avanço expressivo. Desde 2015, quando a economia enfrentou uma grave recessão, com uma queda de 3,8% no PIB, o país passou por períodos de recuperação lenta, marcada por taxas modestas de crescimento. Entre 2017 e 2019, a expansão econômica foi inferior a 2% ao ano, e em 2020, a crise provocada pela pandemia resultou em uma retração de 3,9%. A partir de 2021, com a retomada da atividade econômica, o país voltou a registrar altas mais significativas.
O avanço da economia brasileira refletiu-se no aumento do PIB per capita, que atingiu R$ 55.247,45, uma elevação real de 3% em relação a 2023. Contudo, a distribuição de renda apresenta desafios. De acordo com dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), divulgados no dia 8 de março, as mulheres continuam recebendo, em média, 22% a menos que os homens. Enquanto o rendimento médio mensal dos homens foi de R$ 3.459,00, o das mulheres ficou em R$ 2.697,00.
A disparidade também se verifica em termos de participação no mercado de trabalho. A taxa de desocupação feminina foi de 7,7%, superior à dos homens (5,3%). Além disso, as mulheres dedicam, em média, 21 dias a mais por ano aos afazeres domésticos do que os homens, o que limita suas oportunidades de ascensão profissional e de participação no mercado de trabalho formal.
Embora o desempenho econômico de 2024 tenha sido positivo, a continuidade desse crescimento exige políticas eficazes para enfrentar desafios estruturais. O controle da inflação, sobretudo dos alimentos, deve ser uma prioridade, pois pressões inflacionárias comprometem o poder de compra das famílias e desestimulam investimentos de longo prazo. A redução gradual da taxa Selic será fundamental para impulsionar a atividade produtiva e o consumo.
Outro ponto central é a necessidade de ampliação dos investimentos industriais, com foco especial na transição para uma economia verde. A indústria brasileira precisa crescer e se diversificar, incorporando tecnologias sustentáveis e aumentando sua competitividade global. Setores como energia renovável, mobilidade elétrica, bioeconomia e agricultura sustentável podem posicionar o Brasil como líder na nova economia global.
A manutenção do consumo das famílias depende diretamente da continuidade da redução dos níveis de desemprego e do aumento da renda média, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste. A valorização do salário real e a ampliação de políticas de incentivo ao consumo serão essenciais para sustentar a demanda interna, especialmente diante das incertezas no mercado internacional após as atitudes intempestivas, e por vezes, desvairadas do extremista Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos da América do Norte. A valorização do salário real e a expansão de políticas de incentivo ao consumo podem garantir que a demanda interna continue sustentando o crescimento econômico.
Com o Dia Internacional da Mulher, celebrado em 08 de março, é fundamental reforçar a importância da equidade no mercado de trabalho. As lutas diárias das mulheres por reconhecimento, melhores condições de trabalho e igualdade salarial refletem desafios que ainda persistem, apesar das conquistas alcançadas ao longo das décadas. A diferença salarial entre homens e mulheres, bem como as barreiras à ascensão profissional feminina, devem ser combatidas com políticas públicas e práticas empresariais inclusivas.
O crescimento econômico só será verdadeiramente sustentável se for acompanhado por uma distribuição mais justa da riqueza e da garantia de oportunidades iguais para toda a população, assegurando que o progresso econômico também signifique avanços sociais concretos para as mulheres. A economia já mostrou avanços significativos, mas o verdadeiro desafio é transformar esse crescimento em desenvolvimento sustentável e inclusivo.
Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política; Sandro Prado, economista e professor da FCAP-UPE.