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Jones Figueirêdo Alves: 'Do Recife, próximo aos 500 anos, seu baú de memórias'

Recife, dentro de doze anos completa meio milênio, merecendo os preparos comemorativos do magno evento e a tanto, precisa conhecer mais a si mesma

Por Jones Figueirêdo Alves Publicado em 03/03/2025 às 16:10

No local onde depois construído, em 1956, o Edifício Holiday, ícone da iniciação urbanística de Boa Viagem, nos idos dos anos 30, havia um casarão em ruínas.

O terreno tinha seu começo entre as atuais ruas Salgueiro e Ribeiro de Brito. Os poucos moradores das imediações supunham-no habitado por assombrações, dele afastando-se. Não se sabe, ao certo, tenha ocorrido, um crime de origem passional, na mansão ali existente. “No creo en brujas, pero que las hay, las
hay”, expressa o dito popular de origem galega.

Recife, dentro de doze anos completa meio milênio, merecendo os preparos comemorativos do magno evento e a tanto, precisa conhecer mais a si mesma.

Torna-se essencial que suas memórias sejam revisitadas, nos fatos históricos, pessoas e acontecimentos, em descortínio de metrópole mais importante do Nordeste.

Quem sabe, exigindo a criação de um “Instituto Recife”, de viés históricoacadêmico, destinado a fomentar seu passado, as suas permanências de passado e o seu próprio futuro, quando prestes a comemorar seus 500 anos (12.03.2037).

Deveras, constituindo-se um centro cultural de estudos da cidade, a exemplo de instituições como o IAGHP (Instituto Arqueológico, Geográfico e Histórico de Pernambuco) e de entidades congêneres internacionais.

É interessante anotar, que a historiadora Mary Del Priore, em sua obra “Histórias Intimas” (Ed. Planeta, 2011, pg. 62) relata que, em torno de 1808, com a vinda de D. João VI ao Brasil, em seu exilio tropical, os contingentes demográficos eram os seguintes: (i) São Paulo contava com cerca de 20 mil habitantes; (ii) Recife, com 30 mil; (iii) Salvador, com 60 mil e (iv) o Rio de Janeiro, com mais de 100 mil, decorrendo da transferência da corte portuguesa. Paisagem urbana dos pequenos burgos em crescimento, despontando o Recife.

A história da urbanização do Recife tem capítulos relevantes, quando Boa Viagem era apenas uma colônia de pescadores, como endereço de veraneio, com seus 753 hectares, destinado ao banho de mar, permitido à tarde e de pouca população residente. Pela manhã, a praia era destinada à lavagem de cavalos.

Agora, sua Av. Boa Viagem, tem um século de inaugurada (20.10.1924) e o bairro conta com 122.922 habitantes.

No século XVIII, com aterramento de área alagada, conhecida como Rua Formosa, teve-se em 1840, feita a ligação do centro da cidade ao bairro de Camaragibe. Conhecida por “Caminho Novo”, inaugurado pelo governador Francisco do Rego Barros, o Conde da Boa Vista. Em 1870 a rua ganhou seu nome e com o alargamento (1946), pelo prefeito Pelópidas da Silveira, tornou-se avenida.

Pelópidas, o primeiro prefeito da capital por eleição popular (1955), nesse mandato replanejou dignamente a cidade com importantes reformas urbanas, tal como George-Eugène Haussmann transformou Paris, tornando-a modelo moderno de cidade.

Para além do urbanismo e dos desafios de um crescimento urbano ordenado, Recife exige avaliações históricas determinantes conduzindo-o aos seus 500 anos.

Há que sistematizar uma atuação concentrada de todos os sítios históricos, em preservação adequada e qualitativa. Convém lembrar que a Revolução de 1817 começou na esquina do atual edifício do Liceu de Artes e Ofícios, na Praça da República, onde pretende-se uma Escola Técnica Estadual (ETE).

Melhor seria, sim, que o governo estadual, diante da vocação do sítio histórico, integrado pelo Palácio do Campo das Princesas (1841), Teatro Santa Isabel (18.05.1850) e Palácio do Tribunal de Justiça (07.09.1930), destinasse o prédio para o “Memorial das Lutas Libertárias de Pernambuco”.

No trato da Insurreição Pernambucana (13.06.1645), incluindo a batalha do Monte das Tabocas (03.08.1845), a batalha de Casa Forte (17.08.1645), a 1ª e a 2ª dos Montes Guararapes (18-19/04/1648 e 19.02.1649); da Revolução de 1817 e da Confederação do Equador (1824), urge ser criado esse Memorial. Em conferindo-se ao sítio mais um equipamento de significação histórica. Melhor que seja assim.

Mas não é só. Recife demanda uma proteção absoluta e permanente de sua memória e de seus valores históricos, com significantes exclusivos e de importância internacional.

Vejamos: (i) No bairro de Jequiá, situa-se a Torre de Atracação do Graff Zeppelin, destinada aos dirigíveis aéreos alemães, a única existente no Brasil e possivelmente no mundo. O dirigível Zeppelin, chegou pela primeira vez ao país atracando em Recife (22.05.1930). (ii) a Sinagoga Kahal Zur Israel, com seu Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco, é a primeira sinagoga das Américas (1637), na Rua do Bom Jesus, 197; (iii) a própria Rua do Bom Jesus (1635), eleita, em 2019, a terceira mais bonita do mundo pela “Architectural Digest”.

Em preservação da memória da cidade faz-se essencial a conservação de próprios públicos, como a Cadeia Velha, na Rua do Imperador, hoje sede do Arquivo Público de Pernambuco, de onde saiu Frei Caneca para seu martírio (13.01.1825); e o prédio da Estação do Brum, início da primeira rede ferroviária
no Brasil construída pela The Great Western of Brazil Railway Company Limited (G.W.B.R.), onde funciona o Memorial da Justiça do TJPE, equipamento de fundamental importância para a memória judiciária estadual.

Um baú de memórias não se abre por saudosismo. Tem forte apelo simbólico quando guarnece uma cidade inteira que precisa garantir sua história.

Jones Figueirêdo Alves é Desembargador Emérito do TJPE. Advogado e parecerista.

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