A Igreja Católica de Pernambuco iniciou, em 2014, o processo de beatificação ne canonização de Dom Helder Câmara, Arcebispo de Olinda e Recife, falecido em 1999, aos 90 anos de idade. No Vaticano, a avaliação dos documentos enviados sobre sua fase arquidiocesana demorou quatro anos até a sua aprovação, para só então o processo avançar.
Mas, ninguém pense que o Vaticano tem pressa: o processo de beatificação de Dom Vital foi aberto em 1953 - ficou paralisado por algum tempo e só retomado em 1992. Uma instituição do Vaticano denominada "Dicastério das Causas dos Santos" nomeou o monsenhor espanhol Melchor José Sanchez de Toca y Alameda como relator do processo de Dom Hélder, que certamente não será concluído por ele.
Todos nós, pernambucanos, católicos apostólicos, bem queríamos ver Dom Helder Câmara, cearense de Fortaleza, no Panteão dos Santos - mas provavelmente nenhum daqueles devotos que deram entrada nesse processo, se e quando acontecer a canonização, ainda estará aqui na terra. Como eu falei lá em cima, o Vaticano não tem pressa. Exemplos disso? - Aí vão:
O Papa Pio XII, cujo nome de batismo era Eugenio Maria Giuseppe Giovanni Pacelli, morreu em outubro de 1958 - e poucos meses depois seus fiéis seguidores iniciaram o processo de canonização, processo esse que dura até hoje. As razões? Seriam algumas denúncias refutadas e outras que nunca foram comprovadas.
Por exemplo:
Pio XII era criticado pelo seu silêncio diante dos horrores do nazismo e da perseguição aos judeus, quando foi núncio apostólico na Alemanha, numa política de convivência pacífica com Adolf Hitler. Seus defensores negam isso.
Outra acusação: Arquivos do Vaticano revelam que o fundador da ordem dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel Degolado, acusado de ter abusado sexualmente de dezenas de pessoas, deveria ter sido definitivamente expulso e processado - mas recebeu apenas uma advertência do Sumo Pontífice. Era amigo do Papa. Pegou mal.
E a suspeita mais grave, durante anos sequer comentada nas paredes escuras do Vaticano: as relações muito próximas de Eugenio Pacelli com sua secretária, Pascalina Lehnert, uma religiosa alemã que serviu como governanta, confidente e secretária de Pio XII desde quando foi Núncio Apostólico na Baviera, em 1917, até sua morte como Papa, em 1958.
(Um premiado escritor português, chamado Luis Miguel Rocha, falecido em 2015, na cidade de Viana do Castelo, Portugal, escreveu um livro que ficou muito tempo na relação dos "mais vendidos". O título é "A Filha do Papa", e ficção ou não, fala dessa provável filha de Eugênio Pacelli e Madre Pascalina).
Dom Helder, ao que se sabe, nunca foi vítima de acusação semelhante, nunca se envolveu em qualquer suspeita de ter quebrado seu voto de castidade, nem quando era apenas um vigário provinciano no início de sua vida religiosa. Durante o período da ditadura, o Arcebispo de Olinda e Recife tornou-se internacionalmente conhecido pela defesa das vítimas do novo sistema.
Os militares, que o transformaram em seu "inimigo número um", foram acusados, direta ou indiretamente pela tortura e assassinato do Padre Henrique, episodio que acompanhei e relatei, como repórter, na Manchete, que era a revista de maior circulação no Pais.
Dom Helder, diretamente, jamais acusou ninguém pelo assassinato do seu auxiliar. E acompanhei, também desde estudante, a presença de Dom Helder na vida de Pernambuco. Ainda na Universidade, em 1964, recebi como tarefa escolar fazer uma enquete com 10 recifenses, para ver como seria recebido o novo Arcebispo. Apenas um entrevistado se confessou contra. Era um empresário dono de uma loja de eletrodomésticos instalada na Rua do Hospício Também havia boatos de que a relação dele com os jesuítas da Universidade Católica era apenas cordial. Já com os monges beneditinos, ouvi de Dom Basílio Penido, superior da Ordem, que era amigo pessoal de Dom Helder e tinha por ele profunda admiração. Bom lembrar que nem jesuítas nem beneditinos estavam, hierarquicamente, subordinados ao Arcebispo de Olinda e Recife.
Por quatro vezes Dom Helder foi candidato do Prêmio Nobel da Paz, mas a Diplomacia Brasileira fez o possível e o impossível junto ao Governo da Noruega para evitar que o Arcebispo brasileiro fosse o escolhido. Conseguiu.
Difícil de evitar nessa pesquisa profunda sobre a vida de Dom Helder será o seu ativismo político como membro do Integralismo, largamente explorado pelos militares durante o período da ditadura. Em seu favor, Dom Helder sempre alegou que lutava contra o Comunismo, e esse era o único caminho que restava.
Bom, o processo de canonização, como todo processo, tem defensores e acusadores - e se espera que prevaleça a verdade. Como já falei, não será uma tarefa para ser concluída em curto prazo. E depois que tudo isso esteja concluído, sabe-se lá quando, vai-se esperar a comprovação do primeiro milagre atribuído Dom Helder. E há muita gente por aí carecendo de sua santidade e da intervenção divina.
Ivanildo Sampaio, jornalista