"O Brasil foi à Segunda Guerra. E saiu dessa guerra outro Brasil. O que somos hoje está profundamente marcado por nossa participação no mais terrível conflito da história, pois foi naquele momento inquieto e triste que se fincaram os alicerces de uma grande transformação. Na guerra, amadureceu a geração de brasileiros que tomaria em suas mãos a mudança. E, no entanto, o que sabe a juventude de hoje sobre nossa contribuição para a vitória de 8 de maio de 1945? O que sabem sobre nossos sacrifícios, as vidas perdidas, o papel estratégico do Nordeste no conflito e as razões que levaram a Força Expedicionária Brasileira à Europa?"
O trecho acima, destacado entre aspas, faz parte da introdução da obra Trinta Anos Depois da Volta (Bibliex, 1976), do General Octávio Costa. Seu objetivo era reavivar os feitos dos pracinhas em solo italiano, analisando as causas, o desenvolvimento e os reflexos daquela guerra para a sociedade brasileira.
Desde a publicação da obra, meio século se passou; da guerra em si, oitenta anos. E a pergunta permanece atual: o que sabe nossa sociedade sobre a participação do Brasil naquela guerra?
Ontem, 21 de fevereiro, comemorou-se mais um aniversário da vitória das tropas brasileiras sobre os temidos soldados alemães nos contrafortes italianos de Monte Castelo.
Monte Castelo foi mais uma das vitórias aliadas na ofensiva rumo ao norte da bota italiana. Muitas poderiam ser mencionadas: Camaiore, Monte Prano, Castelnuovo, Montese e a rendição da 148ª Divisão alemã, entre outras.
A manobra estratégica tinha dois propósitos: derrotar as tropas nazifascistas e fixá-las no terreno, impedindo que se deslocassem em auxílio das forças alemãs pressionadas que combatiam em retirada já em seu próprio território.
A participação da FEB na Segunda Guerra não foi uma bucólica expedição a terras estrangeiras para apoiar aliados.
O Brasil foi atacado sem aviso prévio. Submarinos alemães infligiram duras perdas à Marinha Mercante brasileira. O saldo: 19 navios afundados e 740 vidas ceifadas, entre passageiros e tripulantes.
Havia uma contradição em tudo isso: um país vivendo sob um regime ditatorial participar de uma guerra ao lado das democracias ocidentais. A campanha militar gerou uma mudança de postura na sociedade, refletindo-se nos rumos políticos do país. As consequências dessa participação foram imediatas.
O Brasil enviou à Itália 25.334 homens e mulheres, dos quais 15.069 compunham as tropas que efetivamente entraram em combate. O restante se distribuiu entre órgãos não divisionários e depósitos de pessoal. As baixas: 451 combatentes mortos, 1.577 feridos, 1.145 acidentados e 58 desaparecidos.
Foram 239 dias de enfrentamento no campo de batalha. Lutamos contra treze grandes unidades inimigas, capturamos 20.573 prisioneiros de guerra, entre eles 2 generais e 892 oficiais. Além disso, tomamos mais de 80 canhões de calibres diversos, 1.550 viaturas operacionais e administrativas, e mais de 4.000 equinos, essenciais para o combate em terreno montanhoso.
Tivemos também nossos heróis. Não poucos. O maior deles foi o Sargento Max Wolf, morto em combate enquanto liderava uma patrulha infiltrada em território inimigo.
Sua força moral e física se sintetiza na resposta que deu a um enviado do General Zenóbio da Costa, preocupado com o destino de um capitão desaparecido na "terra de ninguém":
- Coronel, diga, por favor, ao General Zenóbio que, desde o escurecer, este padioleiro e eu estamos indo e voltando às posições inimigas para resgatar nossos companheiros. Faremos isso até que a luz do dia nos impeça de atuar. Se, em uma dessas viagens, encontrarmos o Capitão Bueno, nós o traremos também.
Oitenta anos é um período de história considerável. Vivemos agora outros tempos. Quase todos os protagonistas dessas façanhas não estão mais entre nós para atestar seus feitos. É nosso dever respeitá-los.
O mundo se transformou em todos os domínios do poder. As razões que nos levaram àquela guerra, contudo, permanecem latentes no soldado brasileiro: lutar com base nos princípios éticos e morais, pela democracia, defesa de nossa pátria e bem de nosso povo.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva