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Gustavo Henrique: "Absolute cinema" e muito mais...

"Conclave" é a crônica de uma luta antiquíssima para o homem, desde tempos imemoriais...... "Conclave" não é sobre fé, é sobre poder.

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Gustavo Henrique de Brito Alves Freire

Publicado em 19/02/2025 às 0:00 | Atualizado em 21/02/2025 às 6:44
Imagem do filme 'Conclave', de Edward Berger - PHILIPPE ANTONELLO/DIVULGAÇÃO

Consegui assistir a “Conclave”, de Edward Berger, cineasta alemão premiado com o Oscar há alguns anos (por “Nada de Novo no Front”). Vinha tentando uma oportunidade para isso. Ela se apresentou.

O filme adapta o livro de 2016 de Robert Harris. Enquanto cinema, magnífico. Enquanto provocação, uma aula. Sem orçamento milionário ou efeitos especiais caríssimos, “Conclave” respeita a inteligência do espectador exigente e o leva a refletir sobre questões sensíveis que estão à mostra, mas que acabam convenientemente ignoradas. Não, não é um amontoado de clichês.

O poder papal e as escolhas no Conclave

O evento que leva este nome equivale à reunião dos cardeais para a eleição do Sumo Pontífice, seja por que o anterior renunciou, seja por que faleceu.

Para além de Chefe da Igreja Católica, com seu bilhão de fiéis, o Papa é chefe de Estado, a saber, o Vaticano, uma monarquia eclesiástica. A autoridade papal é suprema e seu mandato, vitalício.

Sucessor de São Pedro e bispo de Roma, o Papa é mais que um sacerdote. Para além de saber quem virá a ser eleito, qual sua nacionalidade ou o time para que torce no futebol ou o que sua eleição geopoliticamente quer dizer, o filme convida a muitas reflexões.

É cinema que não só entretém e que tanto pode ser iluminista em tempos polarizados. O diretor sugere um brainstorm atemporal da maior importância em torno do poder pelo poder, no embate entre ambição e vocação.

O que é cirurgicamente resumido por um dos cardeais quando, dirigindo-se a outros, adverte que o mais perigoso dos candidatos ao trono de Pedro será sempre aquele que explicitamente deixar claro que corteja a vaga.

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Alegoria política

Em uma comunidade votante que, como qualquer outra, junta progressistas e tradicionalistas, a escolha do fictício novo Papa em “Conclave” passa pela confrontação de um paradoxo essencial.

Afinal, em se tratando de um ambiente no qual, dos muros para fora, tanto se fala sobre aceitação, como e por que oferecer resistência? Medo de que?

O que mais pesa para um líder de verdade: a identidade ou os valores éticos? “Conclave”, sob esse enfoque, não é meramente um espetáculo da cinematografia do suspense, sem cenas de ação ou perseguição de carro com trocas de tiros, mas uma alegoria política.

Questiona, tira da zona de conforto, incomoda, apresenta desafios. Entre aparência e essência, não pode haver hesitação. Eis a mensagem que o filme deixa para o público.

Não há, enfim, ambiente blindado da política egoísta, que preza pelo pior do indivíduo e que veio para ficar, tragicamente. E assim em tantos outros colegiados.

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A luta pelo poder e a natureza humana

A circunstância do isolamento dos cardeais não lhes impõe a amnésia dos seus defeitos (e até dos seus preconceitos, como o filme revela).

As intrigas, as traições, as fofocas, as puxadas de tapete, as conspirações, a inveja, o cinismo, os podres, a hipocrisia, todo esse caldo continua subjacente e então vem à tona, antes, durante e depois os escrutínios até se chegar ao nome do novo Papa.

“Conclave” não é sobre fé, é sobre poder. Ninguém provavelmente sairá da sala de projeção com a mesma crise existencial do decano Lawrence.

A questão é até que ponto ir para obter o poder, e, obtendo-o, sob quais condições exercê-lo e em defesa de que agenda.

O filme é magistral em seus “plot twists” ou reviravoltas, que seguram na cadeira o espectador literalmente. No entanto, deixa uma aula sobre a natureza humana.

Se, ao invés da reflexão, produz a polêmica, é sinal de que tocou nas questões corretas. Se o processo que define os rumos de uma instituição (e pode ser um País, uma comunidade, uma casa legislativa etc) continua a afastar ao invés de acolher e a estigmatizar no lugar de integrar, ou se a escolha se dará com o coração.

Nas escolhas papais, as votações se passam na Capela Sistina, cujo teto é adornado pela arte de Michelangelo com sua visão do Juízo Final. Será mera coincidência? “Conclave” é a crônica de uma luta antiquíssima para o homem, desde tempos imemoriais.

Eliminados, no caso do processo sucessório do Papa para os católicos, os zucchettos e as vestes, a trama do filme poderia ter vez em qualquer eleição.

Como se comporta o eleitorado e que valores abraça, é o que o manterá ou o expulsará dos livros de história.

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