Adeildo Nunes: o que é a anistia? (2)
"A anistia é o ato legislativo pelo qual o Estado renuncia ao poder-dever de punir, atendendo a razões de necessidade ou conveniência política"

Em comentários anteriores, já vimos que a anistia é um perdão, estabelecido pelo Estado e autorizada exclusivamente através de lei aprovada pelo Congresso Nacional, beneficiando pessoas acusadas ou já condenadas pela prática de ilícitos penais. A doutrina tradicional estabelece vários tipos de anistia que predominam no mundo. Nesse sentido, ela pode ser considerada: a) própria, quando concedida antes da condenação, durante o processamento da ação penal ou antes de sua instauração; b) imprópria, quando concedida após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória ou em grau recursal; c) plena, quando beneficia todos os envolvidos no injusto delituoso sem destinação de qualidade ou de condição pessoal; d) restrita ou parcial, em relação a determinado autor típico ou a determinado ilícito penal com exclusão de outros (concurso de tipos); e) internacional, quando diz respeito a crimes políticos sem qualquer condição; f) confidencial, como nos delitos militares de insubmissão e deserção, quando houver a incorporação ou a apresentação.
Para René Ariel Dotti. “A anistia é o ato legislativo pelo qual o Estado renuncia ao poder-dever de punir, atendendo a razões de necessidade ou conveniência política. Historicamente conhecida como a lei do esquecimento, a anistia é o ato de clemência concedido aos responsáveis por determinadas espécies de ilícitos penais, como os crimes de imprensa, os políticos e os militares. A palavra deriva do grego amnistia, e indicava existência de uma lei feita por Trasíbulo, perdoando os trinta tiranos expulsos de Antenas. Trata-se de causa extintiva de punibilidade que alcança também a medida de segurança e tem caráter mais abrangente que o indulto e a graça, posto que se destina a fazer desaparecer o caráter reprovável do fato punível e perdoar os seus autores, impedindo o reconhecimento da reincidência quanto aos ilícitos futuros. Concedida antes, durante ou após o processo penal, a anistia tem o condão de extinguir os efeitos da infração penal, com exceção da obrigação de indenizar o dano resultante do fato”.
Embora omissa a Constituição de 1988 sobre a obrigatoriedade, o que se sabe é que costumeiramente a proposta do projeto de lei para a concessão da anistia é de livre iniciativa do presidente da República, que aliás tem o poder de veto total ou parcial do projeto aprovado pelo Parlamento. Porém, neste caso, o veto dificilmente ocorre, ademais geralmente ele é aprovado com base na iniciativa presidencial. Porém, nas vezes em que a proposta é de iniciativa do Parlamento, pode o presidente da República vetá-lo totalmente ou parcialmente, ademais a lei só pode entrar em vigor havendo uma sanção presidencial.
O primeiro dos efeitos rídicos que atinge a concessão da anistia é a extinção da punibilidade do agente, nos termos do art. 107, II, do Código Penal Brasileiro. Se, eventualmente, a anistia também beneficia os já condenados, e se os perdoados já estão cumprindo a pena, dá-se a extinção do processo de execução penal. Portanto, a extinção da punibilidade só pode ocorrer antes do trânsito em julgado da sentença, enquanto a extinção do processo de execução da pena só pode existir depois de transitada em julgado a sentença penal condenatória.
Lado outro, se a anistia for ampla e irrestrita, isto é, sem nominar expressamente os nomes dos beneficiados – o que dificilmente acontece na prática – os efeitos da anistia só serão gerados se houver uma decisão declaratória por parte da autoridade judiciária competente. Tem-se, assim, que a anistia só gerará os efeitos jurídicos do perdão, se declarada por sentença judicial. Aqui, o Congresso Nacional aprova o projeto de lei, o presidente da República sanciona, mas o perdão só terá eficácia se declarado por decisão judicial emanada do órgão judiciário competente.
Diz-se que a anistia é geral ou plena, quando a lei que autoriza a anistia contempla todas as pessoas imputáveis e que eventualmente tenham participado dos fatos tidos como delituosos. Há autores que fazem distinção entre a anistia plena e a geral. Álvaro Mayrink da Costa, por exemplo, acha que a plena é aquela concedida para todos os efeitos, enquanto a geral é dirigida a todos os autores dos indultos penais. Bem por isso, na visão de Mayrink da Costa (2017, p 701), quando a anistia é plena ela atinge a todos, indistintamente e geram todos os efeitos jurídicos decorrentes do perdão, enquanto a anistia geral só perdoa aqueles que cometeram crimes políticos. Na anistia plena ou geral, os benefícios do perdão atingem, assim, todos os responsáveis pelo cometimento de infrações penais, independentemente da qualidade ou condição pessoal do agente.
Na anistia parcial ou restrita, a lei autorizadora do perdão exclui algumas pessoas que participaram do evento criminoso. Quando a anistia proíbe a sua concessão aos reincidentes ou àqueles que cometeram crimes hediondos, por exemplo, dá-se a anistia parcial. Assim, será restrita ou parcial, sempre que a lei estabeleça restrição a determinados agentes ou espécies de crimes.
Analisando-se o inteiro teor da Lei Federal nº 6.683, de 1979, que concedeu a anistia em relação aos punidos pela ditadura militar de 1964, embora tenha perdoado todos os que cometeram crimes eleitorais e servidores públicos e civis atingidos por atos institucionais, houve a exclusão do perdão em relação a todos aqueles que cometeram atos de terrorismo, sequestros e atentados pessoais. Neste caso, a anistia não foi ampla e irrestrita, como muitos pensam.
Na próxima semana, continuaremos com o tema.
Adeildo Nunes é juiz de Direito aposentado, professor da pós-graduação em Direito da Faculdade Damas, doutor e mestre em Direito de Execução Penal, membro do Instituto Brasileiro de Execução Penal.