Os governos eleitos desde 1989, ou empossados após os processos de impeachment de 1992 e 2016, ainda que com distintas orientações político-ideológicas, mantiveram posturas próximas frente ao processo de acumulação de riquezas junto ao Estado, ao patrimônio e às receitas públicas. As duas primeiras gestões eleitas após o fim da ditadura militar (Collor e FHC) destacaram-se pela progressiva abertura da economia e privatização do patrimônio estatal, favorecendo a acumulação financeiro-produtiva do capital nacional e internacional.
Além disso, a partir de FHC, redirecionou-se a gestão com um tripé constituído pelo câmbio flutuante, o regime anual de metas de inflação e de metas fiscais como proporção do PIB para a formação de uma reserva de valores (superávit primário) voltada em primeiro lugar ao pagamento de juros da dívida pública. Nenhum governo desde então alterou esse tripé. As metas de inflação, fixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), composto pelos Ministérios da Fazenda, do Planejamento e o Banco Central, têm um centro e bandas superior e inferior, cabendo ao Comitê de Política Monetária (COPOM) do mesmo banco, a cada 45 dias, definir a taxa básica de juros, a SELIC.
Em suas atas, por puro alinhamento ao "mercado", numa macroeconomia da desigualdade, é comum o COPOM defender a elevação dos juros para atender "às expectativas dos agentes econômicos". Já na condução de seu regime de metas prevalece a falsa explicação que aponta a demanda como a única causa da inflação, o que sustenta tanto a elevação da taxa básica de juros, como ocorrido no dia 29 de janeiro último, quanto o expressivo volume de operações do Banco Central com os bancos para a redução da oferta de crédito (16,7 % do PIB em 2021). Essa combinação vem ampliando de tal modo os encargos sobre o tesouro nacional que o orçamento da União em 2022 dedicou ao refinanciamento da dívida montante superior tanto ao orçamento fiscal quanto para os orçamentos da saúde, da assistência social e da previdência social, algo nunca visto antes na república.
Além disso, em 12 meses até julho de 2024, foram pagos R$ 870 bilhões apenas em juros da dívida pública, impondo-se a financeirização do gasto público. Enquanto isso, o Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o Inep, aponta que os investimentos em educação pública estagnaram em 5,1% do PIB entre 2015 e 2022, com a União assumindo cerca de 1% naquele percentual e os governos submetendo desde 2001 a formulação das diretrizes e a execução das leis orçamentárias anuais à sustentabilidade da dívida pública. Contudo, esse é um dogma questionado em inúmeras economias do mundo, como apontou Gabriela Caramuru Teles em 2016, ao apresentar um ensaio jurídico para não pagamento do débito, a partir das experiências de diversos países nos séculos XIX e XX, podendo ser interpretado também como a tragédia do rentismo segundo relatado por Mariana Mazzucato ao analisar as mutações do capitalismo em seu processo de acumulação.
Porém, como a economia de receitas já não tem suportado mais o pagamento de juros, o "novo arcabouço fiscal" almeja desde 2023 tirar as finanças públicas da condição de déficit primário para retorná-las ao superávit primário, mantendo com mais corte de gastos não-financeiros sua servidão aos interesses da riqueza aplicada na aquisição dos títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional. Por isso a macroeconomia da desigualdade precisa ser amplamente denunciada e sua reversão tratada como estratégia de um novo projeto nacional, encerrando-se a manipulação do diagnóstico da inflação de demanda, a hipertrofia de poderes do Banco Central e a gestão das finanças públicas a favor do rentismo, da acumulação e concentração das riquezas em detrimento de seu investimento produtivo e social.
Paulo Rubem Santiago, professor da UFPE, doutor em Educação. e ex-deputado federal (2003-2014).