Descrevo, a seguir, uma passagem pessoal que pode parecer prosaica aos olhos de pessoas não iniciadas nas servidões militares, mas que é perfeitamente compreendida por aqueles que se dedicam à defesa da Pátria, mesmo diante de sacrifícios muitas vezes incompreendidos.
No início desta semana, compareci a uma unidade militar, com o objetivo de renovar minha carteira de identidade.
Quando estamos na reserva, cada retorno a um quartel representa feliz oportunidade de revigorar valores e tradições que fundamentam nossa formação.
Assim que entrei no salão de recepção, ouvi uma chamada:
— E aí, general! Cazá, Cazá, Cazá! A turma é mesmo boa! Tudo bem com o senhor? Saudades do nosso "Forte das Cinco Pontas", dos exercícios, daquelas operações no sertão, MANDACARU, ASA BRANCA, PIPA.
Identifiquei o entusiasmado torcedor do Leão da Ilha: um veterano sargento do Quadro Especial, com quem tive a honra de servir no Esquadrão de Cavalaria de Recife.
— Eu também sinto saudades. Ah! Este ano vamos para a Libertadores — comentei, esboçando um sorriso, mas sem muita confiança.
Subindo os degraus que levavam à repartição de meu interesse, encontrei um antigo chefe que fora tratar de algum assunto pessoal.
— Rêgo Barros! Que prazer revê-lo, pica-fumo (expressão antiga da cavalaria hipomóvel para os jovens oficiais). Tudo bem contigo, e com a família?
— Tá tudo bem, general, graças a Deus. Curtindo a reserva com esposa, filhos e, principalmente, netos.
No Gabinete de Identificação, fui prontamente atendido e, em pouco tempo, deixei o local já com o espelho da nova carteira. Retornei ao lar com um sentimento renovado.
Ainda no carro, refleti como a velha camaradagem e a genuína união permanecem como atributos primordiais de nossa profissão. Nada mudou. São poucas as carreiras que cultivam esses valores como atributos comportamentais essenciais.
Durante essa meditação, recordei-me de duas passagens icônicas de filmes históricos, ambos amplamente reconhecidos pela crítica e pelo público: Gladiador e 300 de Esparta.
No primeiro, Máximus, general das Legiões Félix, reduzido à condição de escravo e gladiador, encontra-se no centro do Coliseu. Ali, ladeado por outros gladiadores, aguarda a abertura dos portões de ferro da arena, por onde emergiriam os algozes do imperador Cômodo com o objetivo de aniquilá-los.
Máximus brada aos seus companheiros:
— Seja lá o que sair daqueles portões, temos mais chances de sobrevivermos se lutarmos juntos.
Eles permanecerem unidos e triunfaram sobre os mais ferozes inimigos que se interpuseram em seus caminhos para a liberdade.
No segundo, Leônidas, rei de Esparta, seleciona trezentos guerreiros e os posiciona na estreita passagem do desfiladeiro das Termópilas, enfrentando o exército persa de milhares de homens, liderado por Xerxes.
Próximo ao embate final, Leônidas exorta seus companheiros:
— Espartanos! A liberdade nunca é gratuita. Ela exige o maior dos sacrifícios.
O sacrifício dos defensores das Termópilas retardou o avanço persa, permitindo que as cidades-estado gregas organizassem uma resistência unificada, culminando nas vitórias decisivas de Salamina e Plateias.
Esses exemplos históricos, ainda que retratados em obras de ficção, ecoaram por séculos e legaram heranças que ajudaram a moldar os atributos dos homens e mulheres em armas. Qualidades como coragem, lealdade, obediência, disciplina e sacrifício continuam a ser imperativos nos exércitos modernos.
Equivocam-se aqueles que, por amadorismo, oportunismo ou intenções escusas, acreditam que a camaradagem, a união e a defesa de valores da caserna possam ser cisalhadas por visões mesquinhas ou egoístas, que, felizmente, são privilégios de pouquíssimos "Efíaltes".
Caros leitores, aproveito para desejar-lhes Feliz Natal e Auspicioso Ano Novo. Seguimos juntos.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva