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O Brasil tem instituições inclusivas ou extrativistas?

Do que falta, o mais importante e urgente, para que o Brasil não se torne uma nação fracassada, é uma profunda reforma no sistema de educação.

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SÉRGIO C. BUARQUE

Publicado em 05/12/2024 às 0:00 | Atualizado em 05/12/2024 às 10:16
Fernando Henrique Cardoso (FHC) passando a faixa presidencial para Lula - VANDERLEI ALMEIDA/AFP

Os economistas que foram agraciados como o Prêmio Nobel deste ano - Daron Acemoglu, James A. Robinson e Simon Johnson - proporcionaram "uma compreensão muito mais profunda das causas fundamentais do fracasso ou do sucesso dos países", segundo o Comitê do Prêmio Nobel em Ciências Econômicas. A tese central do best seller "Por que as nações fracassam" (assinado por dois dos economistas premiados), publicado em 2012, considera que a prosperidade e o fracasso das nações são uma decorrência direta das características básicas das suas instituições. Recorrendo a uma extensa pesquisa histórica, eles dividem as nações em dois arquétipos: aquelas com instituições inclusivas, que promovem o desenvolvimento, e as que se fundam em instituições extrativistas, que travam o desenvolvimento em benefício de uma minoria. Quando eles falam em instituições, é importante esclarecer, estão pensando no sentido amplo que contempla o conjunto de leis, normais, valores, regras e práticas que definem incentivos econômicos e sociais e a forma de distribuição da riqueza e dos serviços públicos na sociedade.

As instituições inclusivas se baseiam em um sistema democrático com regras estáveis e seguras, com mecanismos que permitem que os cidadãos escolham livremente suas ocupações, adquiram educação e conhecimentos, e com instrumentos de distribuição igualitária de serviços públicos, com destaque para a educação. As instituições extrativistas, ao contrário, são constituídas por regimes instáveis e pouco permeáveis, que desincentivam a inovação e os investimentos, convivendo com corrupção política e rede de apadrinhamento que favorecem a apropriação desigual da riqueza e distribuição desigual de acesso aos serviços públicos.

Onde estamos nós? O que dizem do Brasil? Quando analisam o Brasil, os autores cometem um grave equívoco de interpretação das instituições e dos fatores que determinaram o desempenho econômico e social do país nas últimas décadas. Exageram na avaliação da prosperidade, considerando que o Brasil tem instituições inclusivas. E, numa visão tendenciosa e muito simplista, concedem todos os créditos dos avanços, mesmo tímidos, ao PT e, particularmente a Lula da Silva, que teriam construído instituições inclusivas. Os autores ignoram completamente o governo de Fernando Henrique Cardoso e as importantes reformas estruturais que foram implantadas, construindo algumas instituições de grande relevância. O nome de Fernando Henrique aparece no livro apenas duas vezes e de forma insignificante: na primeira, em 1973, citando, de passagem, que o intelectual sugeriu uma "coalisão ampla que tivesse em vista a recriação da democracia e a transformação da sociedade brasileira"; e a segunda para dizer que Lula foi derrotado por Fernando Henrique Cardoso nas eleições presidenciais de 1994 e 1998, sem sequer analisar o governo do tucano.

Como podem falar de instituições inclusivas sem citar o Plano Real que criou uma moeda estável capaz incentivar a recuperação da economia e, mais ainda, conter décadas de inflação com a expropriação de renda da população pobre. O Real é uma grande instituição. Fernando Henrique criou a Lei de Responsabilidade Fiscal que, mesmo cheia de vazamentos, permite reduzir o descontrole da gestão do orçamento público, promoveu a privatização dos bancos públicos estaduais, que eram um derrame permanente de recursos públicos, e a privatização de grandes estatais ineficientes e contaminadas pela corrupção. E para lidar com os oligopólios naturais, alguns privados, Fernando Henrique criou as Agências reguladas. E ao contrário do que diz o livro, foi no governo de Fernando Henrique Cardoso, graças ao FUNDEF, que avançou na universalização do ensino fundamental no Brasil. Acemoglu e Robinson não fazem referência a estas reformas econômicas e institucionais e consideram que foi o programa Bolsa Família que fundou as instituições inclusivas no Brasi. Por mais importante que seja para moderar a extrema pobreza, o modelo de transferência de renda do programa Bolsa Família é essencialmente assistencialista e, desta forma, está longe de constituir uma instituição inclusiva.

É lamentável que um livro tão importante desconheça a história recente da economia brasileira e difunda informações falsas sobre as características das instituições brasileiras e dos responsáveis pelas mudanças. O Brasil vem criando algumas instituições inclusivas desde a Constituição de 1988, algumas com a participação do PT e outras com a oposição direta e firme deste partido e do seu líder máximo. No entanto, é um exagero afirmar, como fazem os autores premiados, que o Brasil "rompeu o padrão" extrativista da América Latina e, portanto, conta com instituições inclusivas. Houve muitos ganhos, é certo, mas o clientelismo, o populismo, a corrupção, a rede de apadrinhamento, os sistemas de apropriação indevida de renda, o desigual acesso dos brasileiros aos serviços públicos de qualidade, a começar pela educação, mostram que estamos muito longe de uma instituição inclusiva.

Depois que receberam o prêmio máximo da economia, os dois autores do livro "Por que as Nações Fracassam" formularam opinião diferente sobre as instituições do Brasil e mesmo sobre os governos do PT e de Lula. Em entrevista recente, Acemoglu afirmou que, "os últimos 8 anos de governo do PT foram desastrosos para a economia do Brasil", embora falando, ainda erradamente, que a corrupção começou no governo de Dilma Rousseff. E Robinson foi mais longe ao afirmar que "o Brasil não conseguiu fazer uma transição de instituições extrativistas para instituições inclusivas". A abordagem institucional formulada pelos premiados com o Nobel indica as medidas e reformas que devem ser implantadas no país para promover o desenvolvimento com qualidade e equidade. Algumas já foram feitas, e em parte desfeitas, mas algo já está dado. Do que falta, o mais importante e urgente, para que o Brasil não se torne uma nação fracassada, é uma profunda reforma no sistema de educação, em todos os níveis, para universalizar o acesso com alta qualidade.

Sérgio C. Buarque, economista

 

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