opinião

Um passo em falso na estratégia de comunicação do pacote fiscal

Em um cenário de desconfiança, a comunicação política é tão importante quanto as próprias medidas econômicas e precisa de narrativa bem construída.

Cadastrado por

PRISCILA LAPA

Publicado em 02/12/2024 às 0:00 | Atualizado em 02/12/2024 às 8:06
Fernando Haddad em coletiva no Palácio do Planalto - REPRODUÇÃO

O anúncio do pacote fiscal pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, expôs um paradoxo no governo: a tentativa de equilibrar um discurso de austeridade fiscal com promessas populistas de alívio tributário, voltadas a uma parcela significativa da classe média. Ao divulgar um conjunto de medidas para conter o déficit fiscal, simultaneamente à promessa de ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda, o governo enfrentou uma recepção tumultuada nos mercados financeiros e na opinião pública. O que deveria ser um momento de reafirmação da credibilidade econômica tornou-se um exemplo de como falhas na comunicação política podem minar a efetividade de políticas públicas.

Estratégias comunicacionais bem delineadas são fundamentais para o sucesso de políticas públicas. A forma como uma medida é apresentada ao público influencia significativamente sua aceitação. Nesse caso, houve uma clara dissonância entre o conteúdo do pacote fiscal e sua apresentação. O vazamento prévio sobre a isenção do Imposto de Renda para pessoas com renda de até R$ 5 mil, bem como a redução para aqueles com renda entre R$ 5 mil e R$ 7.500 — prevista para ocorrer apenas em 2026 — gerou confusão e frustrou expectativas em relação às medidas de austeridade, como o teto para ganhos reais do salário mínimo e mudanças na abrangência do abono salarial.

A inclusão de benefícios fiscais para a classe média, combinada com maior tributação sobre os super-ricos, reflete uma tentativa de redistribuição tributária. Contudo, o movimento foi interpretado por setores do mercado como contraditório diante das medidas de austeridade anunciadas. A falta de clareza na explicação de como essas ações se complementariam exacerbou o clima de incerteza.

A narrativa adotada careceu de coesão, o que era crucial em um momento de transição econômica. O governo brasileiro, ao anunciar simultaneamente cortes de gastos e benefícios fiscais, falhou em antecipar as reações de stakeholders-chave, como o mercado financeiro e a mídia. A interpretação dominante foi a de um governo tentando agradar múltiplas audiências sem um plano claro de execução, o que gerou volatilidade nos mercados e críticas sobre a falta de consistência.

É preciso destacar que, mesmo entre medidas economicamente coerentes, a percepção pública pode ser amplamente negativa se a mensagem for mal conduzida. Políticas públicas geram reações que influenciam sua própria sustentabilidade. O mal-estar nos mercados, por exemplo, pode dificultar a tramitação dessas propostas no Congresso, comprometendo o objetivo final de reequilibrar as contas públicas.

Alguns pontos merecem atenção como responsáveis pelos prejuízos na estratégia de comunicação política do governo. Seria essencial alinhar medidas aparentemente contraditórias — como cortes fiscais e benefícios tributários — em uma narrativa que explicasse sua interdependência. O anúncio da isenção do Imposto de Renda não era oportuno, considerando o contexto. Além disso, a comunicação sobre a desoneração tributária para a classe média, que seria compensada por um aumento na tributação dos super-ricos, foi falha, mesmo sendo uma tentativa de promover equidade fiscal sem comprometer o equilíbrio das contas públicas.

A explicação das razões por trás de medidas impopulares, como a contenção no ganho real do salário mínimo e os ajustes no abono salarial, foi insuficiente para conquistar o apoio popular, culminando em interpretações distorcidas.

A comunicação do pacote fiscal brasileiro apresenta lições valiosas para a política econômica e para as estratégias de comunicação do governo federal. Em um cenário de desconfiança, a comunicação política é tão importante quanto as próprias medidas econômicas. Sem uma narrativa bem construída, até as políticas mais fundamentadas correm o risco de fracassar. Afinal, no jogo político, a forma muitas vezes é tão decisiva quanto o conteúdo.

Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política; Sandro Prado, economista e professor da FCAP-UPE.

 

Tags

Autor

Veja também

Webstories

últimas

VER MAIS