O exame criminológico na progressão de regime prisional
A ausência de vontade política sempre foi o empecilho para o cumprir as regras aos responsáveis pela administração do sistema penitenciário.

No início da execução da pena privativa de liberdade, quando o acusado de um crime passa a ser considerado culpado, a Lei de Execução Penal (LEP) - Lei Federal nº 7.210/1984 - exige que o condenado seja avaliado nos centros de observação e triagem, que praticamente inexistem no Brasil, com a finalidade de orientar a execução da pena. Face a ausência desses centros de observação, a avaliação comumente é realizada no ambiente prisional onde o réu vai cumprir a pena estipulada na sentença penal condenatória. O exame tem a finalidade de medir os antecedentes criminais e a personalidade do condenado, que irão nortear os rumos do cumprimento da pena. Este mesmo exame, facultativamente, também pode e deve ser elaborado para os presos provisórios, ou seja, em relação àqueles que estão detidos por força de uma prisão cautelar. Este tipo de parecer técnico, cientificamente, é denominado de exame criminológico.
Para a Lei de Execução Penal, cumpre lembrar, todos os condenados em regime fechado ou no semiaberto, tão logo iniciada a execução da pena de privação da liberdade, devem ser submetidos ao exame criminológico, o qual deve ser elaborado por uma comissão de classificação composta, no mínimo, pelo diretor do presídio, 2 (dois) agentes do Estado, 1 (um) psiquiatra, 1 (psicólogo) e 1 (um) assistente social. A comissão de classificação, para tanto, poderá entrevistar pessoas, requisitar informações sobre a pessoa do condenado junto às repartições públicas ou privadas e realizar outras diligências que sejam úteis ao exame.
Quando a Lei de Execução Penal entrou em vigor, a transferência de um condenado, de um regime mais rígido, para outro imediatamente menos rigoroso (do fechado para o semiaberto, por exemplo), além de um bom comportamento carcerário e de um tempo determinado de cumprimento de pena, era exigido a elaboração do exame criminológico. Com o tempo, a denominação do exame passou a ser psicossocial, porque nos estabelecimentos prisionais não existiam o médico-psiquiatra, profissional essencial e necessário para que o exame tivesse credibilidade e idoneidade.
Ocorre, porém, que por força da Lei Federal nº 10.792, de 2003, o exame criminológico deixou de ser obrigatório, passando a ser facultativo, na progressão de regime, porque a Súmula Vinculante nº 26/2006 assim determinou. Entendendo o juiz que num caso concreto o exame é necessário, pode a autoridade judiciária, excepcionalmente, determinar a sua realização, em decisão escrita e fundamentada.
A Lei Federal nº 14.843, de 2024, entretanto, fez retornar a exigência do exame criminológico, para fins da progressão de regime prisional, afrontando, com isso, uma Súmula Vinculante do STF, que obriga o seu fiel cumprimento por parte de todos os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública federal, estadual e municipal.
Mesmo assim, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), em 04/11/2024, editou a Resolução nº 36, regulamentando a realização do exame criminológico, no âmbito da execução penal, estabelecendo, em síntese: 1) o exame só pode ser exigido para aqueles condenados a partir da vigência da Lei nº 14.843/2024; 2) o exame deverá ser concluído com antecedência mínima de 30 (trinta) dias da data prevista para a progressão; 3) os responsáveis pela elaboração do exame deverão possuir diploma de curso superior credenciado pelo Ministério da Educação e com registro profissional nos seus respectivos órgãos de classe; 4) o Ministério Público e a defesa, antes da realização do exame, deverão ser intimados para apresentarem quesitos, que obrigatoriamente deverão ser respondidos pelos responsáveis pela feitura do laudo criminológico; 5) será obrigatória a presença do defensor do condenado, durante a realização do exame; 6) na fase da sua elaboração, torna-se obrigatória a entrevista presencial com o condenado, com pessoas do convívio do apenado, bem como de familiares, outros condenados ou servidores vinculados ao estabelecimento penal; 7) não será admitido o exame realizado com base numa única entrevista com o condenado ou mediante a aplicação de formulários estruturados, que priorizem a coleta de dados meramente objetivos; 8) o exame não poderá sugerir prognósticos de reincidência, nem deverá utilizar definições que prejudique o apenado, como a gravidade do delito, o tempo remanescente de pena ou sugerir qualquer classificação de segurança em relação à pessoa do apenado.
Embora o CNPCP tenha prestado relevantes serviços no tocante à regulamentação da matéria, na prática, infelizmente, o seu conteúdo dificilmente será cumprido, muitos mais porque as exigências contidas na Resolução exigem situações concretas que o sistema penitenciário brasileiro não apresenta estrutura humana, física e material suficientes para que o laudo, por exemplo, seja concluído em 30 (trinta) dias, ademais, a ausência de vontade política sempre foi o empecilho maior para o cumprimento das regras que atribuam obrigações aos responsáveis pela administração do sistema penitenciário brasileiro, mormente aquelas que eventualmente possam beneficiar o infrator da lei penal.
Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, professor da pós-graduação do Instituto dos Magistrados do Nordeste (IMN), doutor e mestre em Direito de Execução Penal pela Universidade Lusíada de Lisboa