JORGE AMADO, romancista. Praia de Maria Farinha, casa de Doris e Paulo Loureiro. Chega Jorge.
- Desculpe, Doris. Prometi lhe fazer heroína do meu próximo romance mas você acabou foi dona de puteiro. E não tenho culpa, que lhe dei todas as chances para se recuperar.
O personagem era Dora (trocou o nome), em Capitães de areia. E continuou a conversa. Foi quando perguntei
- Corre no mundo uma lenda sua. Por favor informe se algo, nela, é verdade.
- Qual?, meu filho.
Diz que 6 horas da manhã um pescador lhe viu, suado, capinando uma roça de tomates em Santo Amaro da Purificação, e falou
- Aí, seu Jorge, trabalhando né?
- Trabalhando não, meu filho, descansando.
Fim de tarde, volta do mar o mesmo pescador e lhe vê de bermudas, numa rede, caipirinha, charuto na mão, ouvindo música,
- Aí, seu Jorge, descansando né?
- Descansando não, meu filho, trabalhando.
Após o que, afinal, completei
- Por favor, agora, diga se algo nessa história é verdade.
Ele pensou um pouco e respondeu, rindo,
- Uma lenda é uma lenda, meu filho, mexa nela não.
JORGE LUIS BORGES, romancista. Numa entrevista para Roberto Dávila, declarou
- Quase não li romances. Fora Joseph Conrad que, para mim, é O Romancista.
- Nem mesmo Cem anos de solidão?
- Completei só os primeiros 50. Mas é um excelente livro, eu acho.
Em maio de 1976, escolhido pelo Comitê da Academia Sueca na reunião preparatória em maio, acabou não sendo confirmado na de novembro (perdeu o Prêmio Nobel de Literatura para Saul Bellow). Porque, em 22/09 desse ano, visitou o ditador Augusto Pinochet; e, conservador, disse numa fala infeliz "Não sou digno da honra de ser recebido pelo senhor, Presidente... Na Argentina, Chile e Uruguai estão sendo salvas a liberdade e a ordem. Isso acontece num continente anarquizado e solapado pelo comunismo". A partir daí, nunca mais seria lembrado. E o comportamento de Gabriel García Márquez (autor dos Cem anos...), está no seu livro Crônicas, é exemplar:
- Nada nos agradaria tanto a nós, que somos ao mesmo tempo seus leitores insaciáveis e seus adversários políticos, sabê-lo por fim libertado de sua ansiedade anual.
Borges morreria, 10 anos depois, angustiado e cego. Em metáfora, é como se tivesse desistido de ver o mundo por seus olhos tristes.
JOSÉ (FERREIRA) CONDÉ, escritor. Em Caruaru brincavam sempre os quatro irmãos Elysio, Inácio, João e José, este um apaixonado por mangas. História contada por Edmilson Caminha (Inventário de crônicas). Morre Inácio e José fica desconsolado, mais ainda que os outros irmãos. Chorava sem parar. Elysio, mais velho, decidiu consolá-lo.
Fique triste não, José... O Inacinho virou um anjo e foi morar no céu, que é um lugar bom.
Não é por isso que choro, irmão.
E por quê?
Lá pode ser muito bom, mas ele nunca mais vai poder chupar manga...
LEANDRO KARNAL, filósofo. Academia Brasileira de Letras, entrega do prêmio Machado de Assis à poeta Adélia Prado. Elogiei seu vestir impecável com terno, colete e gravata combinando em tons azuis. E ele, em metáfora sobre sua idade,
Quando a pintura começa a desbotar, é preciso que a moldura brilhe.
MIGUEL SOUSA TAVARES, escritor. Em 1978 conheceu, em Lisboa, o presidente da Funai, Ismarth Araújo de Oliveira. Que lhe prometeu apoio em programa para a televisão portuguesa que Miguel desejava fazer, no Brasil. Chegando MST em sua sala (Brasília), o homem da Funai diz a um assessor
Aqui está o grande amigo Miguel. Que amanhã vai no meu Bandeirantes, com o Dr. Julinho, para documentar a tribo dos Yanomamis.
Vai não.
Como é?
O dr. Julinho está com varíola, no hospital. O avião está em manutenção, esta semana. E os Yanomamis, desde ontem, estão em pé de guerra.
MILLÔR FERNANDES, gênio. Aniversário de 70 anos, com festa no apartamento de Eliana e Chico Caruso. Lá, gente de todas as tribos: de João Ubaldo Ribeiro a Geraldinho Carneiro, de Paulo Francis (NY) ao embaixador José Aparecido (então morando em Lisboa); de José Lewgoy a nós (Recife). Quando foi apagar velas, Millôr pediu a palavra
- Estou emocionado. Trata-se de um momento único. Que, é a lei da vida, isso não vai se repetir por muito tempo mais.
Baixou a cabeça, como se fosse chorar. E era mesmo natural. Por ser, provavelmente, o mais velho no recinto. Protestos gerais. Que é isso?, Millôr. Quando se fez silêncio, completou
- A vida é mesmo breve, sei bem. Não há como alterar o Destino. Mas quero só dizer uma coisa, meus amigos. Quando o último de vocês morrer, e eu tiver de comemorar aniversário sozinho, vou sentir muitas saudades.
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