Migração e demografia na França
A maioria dos eleitores da França rejeitou as propostas xenófobas do Reagrupamento Nacional contra os imigrantes que prevê deportação imediata

A imigração é um delicado problema social da França, como em toda a Europa, com a entrada em larga escala de pessoas provenientes da África (ex-colônias francesas) e parte do Oriente Médio deslocadas pelas guerras, conflitos sociais, fatores climáticos e pobreza. De acordo com o INSEE-Instituto Nacional de Estatística e de Estudos Econômicos, os imigrantes na França seriam já 10% da população francesa (percentual dobrou de 1946 a 2022), sendo que apenas um terço deles conseguiu a naturalização. Apesar do incômodo dos franceses com o fluxo migratório, explorado politicamente pela direita radical, o Novo Reagrupamento não conseguiu convencer o eleitorado a apoiar a formação de um governo hostil aos imigrantes.
A maioria dos eleitores da França rejeitou as propostas xenófobas do Reagrupamento Nacional contra os imigrantes que contempla a deportação imediata dos imigrantes em situação irregular, a expansão do bem-estar social exclusiva para os nativos franceses brancos, a limitação da cidadania francesa aos filhos de pais franceses, e o fim dos vistos de reagrupamento familiar. O partido direitista de Marine Le Pen cresceu bastante nas últimas eleições, mas obteve apenas um quarto das cadeiras no Parlamento francês, o que impede a implementação da sua agenda contra os imigrantes.
No lado oposto, a Nova Frente Popular, maior partido da Assembleia Nacional, defende o acesso dos imigrantes sem documentos à assistência médica do Estado, a volta ao direito automático da cidadania francesa a todos nascidos na França e ainda a criação de uma agência de salvamento no mar e em terra para imigrantes sem documentos. E o partido do presidente Macron (En Marche!) não apoia a xenofobia da extrema-direita, embora tenha promovido, no ano passado, a criação de algumas restrições ao acolhimento dos imigrantes. A base da política de Macron é a distinção entre imigração regular, amplamente aceita e mesmo apoiada com visto de trabalho, quando ligada a atividade econômica com deficiência de mão de obra (profissões sob tensão), e imigração irregular, que pode ser punida e, no limite expulsa do país.
O presidente percebe a importância da imigração no mercado de trabalho quando analisada a dinâmica demográfica da França. A demografia remete a discussão para um dos pontos da grande divergência de Macron com a esquerda da Nova Frente Popular, nomeadamente, a questão previdenciária. Como é sabido, o governo conseguiu aprovar, no ano passado, uma reforma da previdência com o aumento da idade mínima de aposentadoria de 62 para 64 anos, enfrentando grandes mobilizações e sofrendo um enorme desgaste político. Pois bem, o programa da Nova Frente Popular propõe a redução da aposentadoria de 64 anos para 60 anos, menos dos 62 anos que vigorava antes da reforma. Isto, num país com uma expectativa de vida de 82,3 anos (acima dos 80 anos médios da OCDE). E, de acordo com o INSEE, em 2050, a França terá 20 milhões de pessoas com mais de 65 anos (mais de um quarto da população total) e, em 2070, os idosos serão 22 milhões que correspondem a 30% da população francesa (Revista Envelhecer).
O envelhecimento da população é acompanhado do declínio da População em Idade Ativa, que entra no mercado de trabalho para pagar a conta dos mais de 22 milhões de aposentados (pela lei atual). Ainda, segundo o Instituto francês, a tendência demográfica permite antecipar que, em 2050, a França terá 100 jovens com menos de 20 anos para 122 idosos (com 65 anos e mais), os primeiros entrando no mercado de trabalho para financiar o sistema de previdência que vai pagar os benefícios dos idosos. Portanto, a França precisa abrir as fronteiras para jovens imigrantes para viabilizar as atividades econômicas e, ao mesmo tempo, sustentar os velhos franceses (nativos ou naturalizados). E é por esta razão, que Macron pretende dar um tratamento diferenciado para os imigrantes regulares que podem cobrir as deficiências de mão de obra no mercado de trabalho.
O sistema de previdência tem uma relação direta com o equilíbrio fiscal pela relação entre a receita da população ocupada e os benefícios distribuídos com aposentados e pensionistas. O professor Jean-Marc Daniel analisa a relação entre os dois, resumindo: "Em 1950, quatro trabalhadores financiavam um aposentado, em 2000 eram apenas dois e em 2040 será apenas 1,3. Isso não será mais sustentável". Para impedir a redução desta relação, e considerando a taxa de natalidade dos franceses, a França precisa trazer mais imigrantes. O sistema emprega 14% do PIB no pagamento de pensões e tem um déficit de 10 bilhões de euros e, segundo as previsões, deve crescer 40% até o fim da década.
A questão previdenciária é apenas um dos fatores que separam Macron da esquerda no que diz respeito à política fiscal. Ao longo do seu governo, o presidente vem tentando segurar o ritmo de crescimento das despesas públicas que levam a um déficit orçamentários. Em 2023, o déficit orçamentário da França já era 5,5% do PIB, muito acima do 3% do PIB definidos pela União Europeia como limite para os Estados Membros. Grande parte do programa de governo da Nova Frente Popular vai em direção oposta, prevendo a elevação dos gastos públicos em vários programas sociais. Como enunciado por Silvia Capanema, brasileira militante da NFP, "nosso programa é de ruptura com as lógicas de austeridade, propondo impostos progressivos e a supressão de nichos de isenções fiscais ineficientes. Isso permitirá financiar medidas sociais que impulsionarão a economia e aumentarão a arrecadação".
A formulação - mais imposto para mais gasto - pode indicar que a esquerda, particularmente o movimento França Insubmissão de Jean-Luc Mélenchon, compreende os limites fiscais, mas demonstra que espera alcançar equilíbrio com o aumento dos impostos que permitiria ampliar as despesas públicas para além do déficit atual. O problema é que a França já tem hoje (2022) uma das mais elevadas cargas tributárias do mundo e da Europa, com 48% do PIB, bem acima da média da União Europeia, ainda muito alta (41,2% do PIB), de acordo com a Eurostat. A elevação da carga tributária a níveis mais altos pode ter várias consequências na economia, inibir investimentos e, portanto, crescimento econômico e geração de emprego, com a fuga de capital para outros países da União Europeia.
Qualquer semelhança das divergências entre Macron e a esquerda francesa com a controvérsia em torno da política macroeconômica no Brasil não é coincidência. No lado de cá, o presidente Lula da Silva arenga todos os dias para o governo gastar mais e não deixa o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cortar despesas, empurrando para um esforço inglório de aumento da arrecadação. Lá e cá são os mesmos problemas com personagens políticos parecidos.
Sérgio C. Buarque, economista