"Brasileiros! O Imperador desamparou-nos, e o que nos resta agora? Unamo-nos para salvação nossa; estabeleçamos um governo supremo verdadeiramente constitucional, que se encarregue de nossa mútua defesa e salvação! Brasileiros, unamo-nos e seremos invencíveis!" Com estas palavras Manuel de Carvalho Paes de Andrade concluía o manifesto publicado em 2 de julho de 1824, data que assinala a ruptura com o governo imperial sediado no Rio de Janeiro e marca o início da Confederação do Equador. Pela segunda vez, nos inícios do século XIX, Pernambuco se alçava em prol de um regime republicano, constitucional e federativo para o Brasil. Em outra proclamação, o presidente da Confederação lamentou que os brasileiros tenham sido iludidos e levados a aceitar a monarquia, um "sistema de governo defeituoso em sua origem, e mais defeituoso em suas partes componentes", quando o mais promissor para nossa nação seria "constituir-nos de um modo análogo às luzes do século em que vivemos", ou seja, numa república. Dessa forma, estaríamos acordes com o "sistema americano", isto é, não só com o modelo norte-americano, mas também com os vizinhos recém-emancipados na América de fala hispânica, e desprezaríamos as "instituições oligárquicas, só cabidas na encanecida (envelhecida) Europa".
Para boa parte dos brasileiros hoje, parece naturalizada a ideia de que compete ao povo escolher seus governantes para mandatos temporários, limitados por normas legais e com a possibilidade de alternância de poder. No entanto, falar de república na época dos fatos que examinamos aqui era verdadeiramente um ato de coragem. Nas origens de nosso país independente, confrontaram-se duas visões de mundo. A primeira marcada pelos multisseculares traços do Antigo Regime, entre eles, a naturalização de desigualdades sociais estabelecidas pelo nascimento, a inexistência de garantias jurídicas coletivas e individuais para os desprivilegiados socialmente, as limitadíssimas vias de representação política dos governados, a censura prévia e a intensa interferência da religião na vida cotidiana. No Brasil, a essas características se somou a escravidão, o que tornou ainda mais perverso o nosso quadro social. Aos modos do Antigo Regime se opunha, então, uma visão de mundo pautada pelas ideias modernas, com sua aposta na razão como caminho para se construir uma sociedade com igualdade perante a lei, liberdade de pensamento, de expressão e de culto, e fraternidade na busca da felicidade para os povos. Para nós, hoje, a despeito de não termos ainda alcançado como sociedade uma verdadeira vivência republicana, parecem-nos evidentes as qualidades do modelo inovador que então se apresentava ao mundo. No entanto, defender estas ideias a princípios do século XIX, mormente num país com um histórico de três séculos de escravidão, era um ato revolucionário.
Quando vemos, atualmente, as tentações autoritárias assombrando uma vez mais o Velho e o Novo mundos, é fundamental recordar as pessoas que heroicamente doaram suas vidas na luta contra o absolutismo monárquico e que, no caso do Brasil, resistiram e combateram a escravidão. Se observarmos com atenção o conjunto de lideranças e principais participantes da hoje bicentenária Confederação do Equador, encontraremos em seus pensamentos e ações muitas das questões que até hoje nos afligem. Isso nos diz muito sobre o quão vanguardistas essas pessoas foram, bem como sobre o que nos falta para que logremos construir uma sociedade verdadeiramente republicana e democrática. Frei Caneca, em seu jornal Typhis Pernambucano, denunciou a traição de Pedro I aos seus juramentos como monarca constitucional e defensor da independência do Brasil. Mas o revolucionário foi além: conclamou todos os cidadãos a zelarem pela coisa pública, ou seja, pela própria república, ensinando que não se deve esperar por salvadores da pátria para efetivar a construção de uma nação.
O projeto alternativo de país proposto pelos confederados de 1824 sucumbiu esmagado pelo peso das velhas formas do Antigo Regime. Tropas enviadas do sul engordaram as fileiras com os jagunços da contrarrevolução e a nossa segunda república revolucionária foi derrotada. Traições, torturas e execuções, entretanto, não foram fortes o suficiente para exterminar a ideia de liberdade. E se hoje temos a possibilidade de interferir nos destinos de nosso mundo, por nossos pensamentos, palavras e ações, não esqueçamos que devemos isso, em parte, aqueles que há duzentos anos tiveram o brio de enfrentar a tirania. Neste bicentenário da Confederação do Equador, recordemos Caneca: "... Pernambuco, pátria da liberdade, ... tu me deste o berço, tu ateaste no meu coração a chama celeste da liberdade, contigo eu descerei aos abismos da perdição e desonra, ou par da tua glória voarei à eternidade! ... Cautela, união, valor constante. Andar assim é bom andar".
George Cabral, doutor em História pela Universidade de Salamanca. Professor da UFPE. Membro efetivo do IAHGP e da APL.