Nos últimos tempos muito se tem falado sobre inovação, confundindo-se por vezes, invenção com inovação. Uma invenção não necessariamente se configura em uma inovação. Para que isso aconteça, necessitamos que a invenção realizada, se transforme em algo concreto e real, impactando na melhoria na qualidade de vida das pessoas e do animal não-humano, bem como da preservação e restauração ambiental de nosso planeta.
Caso não reflitamos sobre alternativas de novos modos de produção e consumo em nossa sociedade, as inovações poderão, ao invés de contribuir para um desenvolvimento social e econômico justo, aprofundar as desigualdades e a destruição do nosso planeta. Neste contexto, existem alguns habilitadores necessários a este processo de inovação.
Um primeiro habilitador é pensarmos os processos educacionais de modo distinto do atual, que valoriza e potencializa a individualidade e a competição predatória, considerando a construção do conhecimento de forma coletiva, incorporando a cultura da inovação, da sustentabilidade, do empreendedorismo social, e especialmente a compreensão que o conhecimento em nossa sociedade contemporânea, é amplo e rapidamente reconfigurado.
Um segundo habilitador são os processos inovadores para além da construção de soluções dos problemas e demandas existentes, mas também na criação de novas demandas e soluções, em um ambiente de desenvolvimento sustentável e inclusivo. Neste campo, o pensamento do movimento Deep Tech, que aborda os problemas complexos, a partir de princípios humanos e ambientais é fundamental.
Um terceiro habilitador seria a compreensão de que esse processo de inovação não esteja majoritariamente nas mãos das grandes corporações (as chamadas Big Tech), tampouco concentradas em países hegemônicos, e que mantém um modelo de desenvolvimento que amplia as assimetrias regionais, as desigualdades sociais, e o consequente poder geopolítico pelo domínio do conhecimento inovador. Os processos de inovação precisam estar distribuídos de forma democrática. Para isso, precisamos construir políticas públicas que democratizem a utilização de processos inovadores. O Estado, as Academias, a Iniciativa Privada e o Terceiro Setor precisam dialogar e propor alternativas, utilizando-se destas inovações para a construção de um modelo de desenvolvimento mais justo, inclusivo e sustentável. O estabelecimento de redes de inovação integrando todos estes atores é condição imprescindível.
Por fim, apropriando-me da expressão tão cara a nós pernambucanos, é preciso construir uma "Inovação Arretada". Arretada no sentido de abordar e resolver problemas reais e complexos de nossa sociedade. Arretada no aspecto de impactar positivamente à vida das pessoas, em especial dos mais vulneráveis. Arretada em contribuir para a preservação e regeneração do nosso planeta e do futuro da humanidade. Arretada na perspectiva de construir uma sociedade mais justa, inclusiva e democrática. É importante pontuar que a inovação pode ser um caminho para o fortalecimento da democracia, mas se mal utilizada, pode ser um validador e amplificador de processos e visões de mundo autoritárias e excludentes.
Cabe a nós, de forma coletiva e dialogada, escolher que tipo de inovação desejamos para nosso futuro. Eu escolho a "Inovação Arretada"!
Marcelo Carneiro Leão, professor titular e ex-reitor da UFRPE e membro da Academia Pernambuana de Ciências