O perfilamento racial, termo não tão comum no nosso cotidiano, consiste no ato de suspeitar da idoneidade das pessoas considerando o seu tom de pele, contexto bastante comum em abordagens policiais. Para se ter um exemplo disso, em pesquisa divulgada no ano de 2022 pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)envolvendo os Estados do Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP)) foi identificado que uma pessoa negra tem 4,5 vezes mais chances de sofrer uma abordagem policial do que uma pessoa branca. O fato de sermos uma sociedade estrutura em uma lógica racista determinante nos espaços, instituições e relações sociais, justifica de forma assertiva a ocorrência deste fenômeno.
Recentemente, mais precisamente no dia 11/04/24, o Supremo Tribunal Federal , em decisão histórica, apontou para a ilegalidade desta prática. No julgamento do Habeas Corpus de nº 208240/SP, ação que visava garantir a liberdade de locomoção de um homem negro, restou comprovado que a abordagem policial sofrida por ele se deu em virtude unicamente de sua raça. No boletim de ocorrência, os policiais afirmaram que "avistaram um indivíduo de cor negra em cena típica do tráfico de drogas", o que corrobora um tratamento estereotipado e estigmatizante.
Existe uma necessidade indubitável de repensar os parâmetros de formação e atuação das instituições de segurança, a exemplo da polícia, nesta sociedade, uma vez que resta estampada a existência de processos subjetivos e inconscientes, com juízos de valor preordenados e que orientam para tratamento diferenciado de determinados grupos vulnerabilizados, atendendo a uma lógica de hierarquização de raças provocando marginalização e desvalor para a população negra.
Para enfrentar esses processos é fundamental a existência de protocolos e procedimentos operacionais para padronizar procedimentos e atitudes, possibilitando maior segurança para profissionais em atuação, respeitando direitos e garantindo dignidade para as pessoas indistintamente. Instituições como Polícias Civis, Polícias Militares, Polícia Rodoviária, Polícia Federal e Guardas Municipais tem papéis constitucionalmente definidos e sua atividade, se desenvolvida com vieses discriminatórios, tem um potencial imenso de produzir traumas individuais, danos individuais e coletivos além de danos à imagem e instabilidade institucional, suscitando responsabilização rígida institucional e individual de seus agentes. O número de denúncias e vídeos que circulam em diversas redes sociais envolvendo profissionais da área de segurança pública em situações flagrantes de violação de direitos e abuso de autoridade evidenciam o quanto o assunto tem suscitado atenção da sociedade e como diversos movimentos tem cobrado das instituições estratégias de prevenção e enfrentamento a episódios como estes.
Não se trata de prever apenas a criação de protocolos e procedimentos variados, mas de investir em sensibilização e formação continuada voltada a garantir sua aplicabilidade e compreensão da importância do desenvolvimento de habilidades e atitudes antidiscriminatórias. É essencial que essas ações sejam realizadas de maneira especializada, com orientações específicas e métricas objetivas, que permitam comprovar a repercussão positiva do novo modus operandi adotado.
Quem quiser conhecer um pouco mais sobre os desafios de combater perfilamento racial, indico visitar a Exposição "Memórias: enfrentamento ao racismo", que vai até 16 de junho deste ano, no Museu do Homem do Nordeste/Fundaj, no Bairro de Casa Forte, com referências a procedimentos administrativos e frases impressas de textos extraídos de processos conduzidos pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) referentes à discriminação racial. A exposição, fruto de uma parceria entre o MPPE e o Laboratório de Expografia do Curso de Museologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), reafirma o trabalho louvável que tem sido desenvolvido pelo o Grupo de Trabalho de Combate à Discriminação Racial do MPPE (GT Racismo).
Em última análise, o objetivo é que as organizações de todas as naturezas se engajem ativamente no combate à discriminação e na promoção da diversidade, para que não tenhamos que esperar 167 (cento e sessenta e sete) anos para alcançar a equidade racial, estimativa apresentada em relatório recente sobre desigualdade de oportunidades elaborado pelo Instituto Identidades do Brasil . A responsabilidade de construir uma sociedade com equidade é coletiva e urgente.
Manoela Alves, advogada e diretora do Instituto Enegrecer