Ninguém mais do que Luiz "Lua" Gonzaga do Nascimento contribuiu, através da música, para o conhecimento do Nordeste brasileiro. Telúrico, contou e cantou a saga nordestina, inovando com sua sanfona os ritmos, tal e qual fez com o forró e o baião, o xote e o xaxado. Uma sanfona que ele juntou ao triângulo e à zabumba, fazendo o esqueleto do Brasil remexer.
Superando obstáculos, Gonzaga ganhou o mundo, antes residindo no Ceará e, em seguida, no Rio de Janeiro, quando a sua musicalidade ganhou dimensão, a ponto de ter merecido um busto, em sua homenagem, na Universidade de Oxford, Inglaterra. Outro busto existe na frente do Centro de Tradições Nordestinas e na Rádio Atual, em São Paulo, aonde fui por mais de uma vez, numa delas, debatendo Gonzaga com o jurado Pedro de Lara.
Fui amigo de "Lua", apelido colocado por Paulo Gracindo, numa referência ao seu rosto arredondado. Na sua última apresentação no Cecon, em Olinda, pude entregar-lhe uma placa em nome da Fundação de Cultura Cidade do Recife, que, à época, me tinha como presidente.
Muito me emocionou a última entrevista por ele concedida à imprensa, no caso a este jornal, quando chegou a dizer: "(...) O primeiro grande grito do São João no Recife veio de Roberto Pereira, e o prefeito Joaquim Francisco assinou embaixo. E vai ser um estouro."
A sua doença, câncer de próstata, descoberta em junho de 1989, deixou-o fora do ciclo junino, uma frustração para ele. Fui dos seus amigos a cuidar dele nesse período crítico. Internado no Hospital Santa Joana, com metástase nos ossos, Gonzaga padeceu com dores insuportáveis, substituindo os gemidos pelos aboios. Aboiar era uma forma de afastar a tristeza.
Em 2 de agosto do mesmo ano, 1989, chegou o dia nefasto para a cultura pernambucana. Gonzaga, imortalizado na sua arte, fechava os olhos para ganhar a eternidade. O seu velório foi na Assembleia Legislativa, onde os forrozeiros cantavam as suas músicas, a alma da gente nordestina. A missa, de manhã, celebrada por Dom Hélder Câmara, para, em seguida, ouvirmos, emocionados, Fernando Borges tocar, no violino, Asa Branca, o hino do Nordeste.
Luiz "Lua" Gonzaga é uma ausência presença neste ciclo junino, a tal ponto que, num dia, escutei de uma criança: "Com traque de massa e o forró de Gonzaga vou brincar o meu São Joãozinho."
Gonzaga deixou o legado da nordestinidade, colimando-se com os maiores da música popular brasileira, muitos dos quais também compondo e cantando o forró e o baião. Da economia criativa quando se interligou ao artesanato de couro no chapéu, no gibão, nas alpercatas. Da gastronomia em seu repertório, ênfase para a Feira de Caruaru e Ovo de Codorna, dentre outras composições suas e de parceiros, a exemplo de Zé Dantas e Humberto Teixeira. Os seus ritmos ainda - e sempre! - animam a musicalidade nordestina e brasileira.
Luiz Gonzaga, à Camões, é daqueles que, quanto mais se afasta no tempo, mais se vai da lei da morte se libertando.
Viva Gonzaga vivo!
Roberto Pereira, ex-secretário de Educação e Cultura de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo.