OPINIÃO | Notícia

A ressaca do veraneio nas praias de Ipojuca

A questão é que renderá dores de cabeça permanentes à população residente e prejuízo à cadeia do turismo. É dizer que essa ressaca será de todos os pernambucanos.

Por MAURO BUARQUE Publicado em 06/02/2024 às 0:00

Retirada de cobertura vegetal, aterro, atropelamento de animais silvestres, esgoto sanitário nas ruas, falta de água e lixo acumulado em todo lugar. Essa é a situação evidenciada por qualquer morador ou turista que esteve nas praias do Ipojuca, de Muro Alto a Toquinho, passando pelo centro de Porto, Maracaípe e Serrambi.

Esse cenário teria menor importância se não estivéssemos tratando da joia da coroa do turismo do nosso Estado. As praias do Ipojuca, hoje, podem ser consideradas como o exemplo de destinos turísticos insustentáveis. As administrações estadual e municipal devem acreditar que o tempo resolverá tudo. Ledo engano.

Ao transitar nas ruas e na faixa de praia não encontramos nenhuma iniciativa governamental. Há uma completa ausência do aparato estatal e nenhum sinal de que se cumpre algum planejamento. Nenhum controle urbano das obras e nem ordenamento do comércio informal. A poeira dos inúmeros canteiros de obras cobre casas e pessoas. A redução do verde urbano confirma a sensação térmica de que "temos um sol para cada pessoa".

Enfim, nesse veraneio de janeiro de 2024 pode ser constatado que o planejamento urbano ou falhou ou, propositadamente, ficou na letra morta das leis. A mobilidade (carros, ônibus, motos, bikes, bugres e pessoas) não existe. O controle ambiental igualmente inexiste. É uma terra onde a falta de planejamento e de controle matará a galinha dos ovos de ouro.

Aqui deve ser feita uma ressalva. O sempre tão criticado mercado imobiliário, e às vezes merecidamente, neste caso não é o destinatário de tudo que se evidencia. Em verdade ele tem seguido o padrão do planejamento disponibilizado pelo estado e pelo município. Ou seja, nenhum! A regra é não ter planejamento e nem controle. Assim sendo, quando não se estabelecem os limites e possibilidades do uso, o uso se dá sem limites.

O padrão de insustentabilidade promovido pela ausência pública é evidenciado já na chegada de Nossa Senhora do Ó, com engarrafamentos quilométricos, empreendimentos ao longo de uma via de trânsito rápido, sem faixas de desaceleração. O dimensionamento de todo o sistema viário a partir dali é um caos. Vias esburacadas, sinalização ausente, o sistema complementar de transportes sucateado, motoristas de bugues desrespeitando tudo e todos, seguramente à espera de que alguma tragédia aconteça para quebrar a letargia das autoridades.

Na seara ambiental, é notório que a capacidade de carga daqueles ambientes, com as infraestruturas disponíveis, já foi extrapolada. Muito porque não existem obras de implantação ou ampliação de sistemas de tratamento de esgotos para dar cabo do volume atualmente produzido, muito menos para o volume do que está por vir. O município olha pontualmente os empreendimentos, licencia sem considerar o efeito cumulativo (trânsito, consumo de água, produção de esgoto e de resíduos, desmatamento e impermeabilização) e a Compesa finge que não tem responsabilidade. O cheiro de esgoto e o lixo estão nas principais ruas do centro de Porto e nos distritos das praias.

Hoje, diante de tanta inépcia, é fácil dizer que temos saudades de um passado em que o planejamento era priorizado (Fiam, Condepe, Fidem, secretarias de Planejamento dos municípios). Como também, é fácil prever que não teremos um futuro com qualidade, ambiência e sustentabilidade sem que as instituições de controle e fiscalização (TCE, MPPE, CPRH, SPU e os controles locais) atuem.

A ressaca é pela ausência de uma política pública competente, mais do que urbanística e ambiental. Também é mais moral pelo abandono do planejamento de um futuro que não teremos.

Mas, as férias já estão indo embora. Esse assunto vai esmorecer e vai virar apenas uma ressaca de veraneio, que nos acomete a cada 12 meses, quando o próximo verão chegar. A questão é que renderá dores de cabeça permanentes à população residente e prejuízo à cadeia do turismo. É dizer que essa ressaca será de todos os pernambucanos.

 

Mauro Buarque,  empresário, consultor ambiental e especialista em planejamento e gerenciamento ambiental

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