O difícil caminho para a paz: observações sobre o conflito Israel-Palestina
Durante o mês de junho, por uma semana, tive a oportunidade de estar na Terra Santa e realizar visitas em Israel e na Palestina.....

Nas conversas com locais dos dois estados, sobre a dinâmica do conflito no atual contexto da guerra, ficou evidente as muitas dificuldades para se atingir um caminho para a paz. Estar fisicamente no ambiente permite uma imersão completa nas dinâmicas sociais e políticas, propiciando uma perspectiva rica e contextualizada para a compreensão da realidade do lugar. Além desses aspectos, tive a oportunidade de escutar tanto israelenses quanto palestinos sobre o momento atual que os povos vivenciam.
O contexto da guerra em Gaza, após os ataques terroristas do Hamas no ano passado, tornou a situação mais complicada para o diálogo. Do lado de Israel, a guerra está presente no dia a dia. Quem desce no aeroporto de Ben-Gurion percebe isso claramente: há cartazes das pessoas que ainda estão sequestradas na Faixa de Gaza. Pela cidade de Tel-Aviv e Jerusalém, há imagens dos soldados que caíram em combate. A participação nas Forças de Defesa de Israel (FDI) é um tema de atrito entre os judeus seculares e ortodoxos, conhecidos como haredi. Os judeus ortodoxos, que são 13% da população (1,3 milhão de pessoas), não servem ao exército e se dedicam de forma integral aos estudos religiosos. Eles recebem subsídios do governo, mas sem gerar renda ao país. Para os seculares, os haredi são "especiais" por sua condição. Em conversa com uma israelense sobre os religiosos, ela descreveu que essa relação precisa de mudança. De acordo com a ex-militar, Israel precisaria de um "novo pacto social", já que o país de hoje não é o mesmo desde a sua criação, com Ben-Gurion. Os filhos dos seculares estão na linha de frente, enquanto os outros estão longe do ambiente de guerra. Em decisão recente, a Suprema Corte decidiu que os ortodoxos devem servir ao exército. O número deverá aumentar com o tempo. A discussão sobre o alistamento dos haredi não deve ser concluída tão cedo, porque, apesar de serem uma minoria, os partidos Shass e Judaísmo Unido da Torá compõem o atual governo de Netanyahu e buscam criar empecilhos para a medida.
Todo esse debate ocorre em um tempo de guerra no qual os atentados terroristas do ano passado deixaram marcas profundas na sociedade israelense. Em um dos diálogos com um coronel da reserva das FDI, ele me indagou sobre a minha visita ao Yad Vashem (Museu do Holocausto). Ao explicar minhas percepções, o militar reformado afirmou: "agora você entende o 7 de outubro". Ele se referia ao impacto que o maior número de judeus havia morrido em um dia desde a Segunda Guerra Mundial. A continuidade dos embates e a possibilidade de se irromper uma nova frente ao norte, com o Hezbollah no Líbano, faz com que a contribuição de todos seja indispensável. Seja um médico de combate em Gaza, um operador do sistema de defesa antimísseis ou um agente responsável pela cibersegurança, todos são jovens na faixa dos seus 20 anos altamente capacitados. A guerra não está sendo fácil para ninguém.
A cidade de Ramallah, sede de fato da Autoridade Palestina, possui semelhança com a capital pernambucana. Se não fossem os dizeres em árabe e as mulheres andando com véu (nem todas usam, já que algumas são cristãs), poderia se pensar no centro de Recife. A cidade possui um dia vibrante de comércio e uma noite em que as pessoas saem para almoçar fora e conversar com os amigos. Chegando na Al-Muqata, onde fica o escritório do presidente Mahmoud Abbas, pude presenciar uma cena: crianças, dentro de um carro, simularam que metralhavam o prédio. Esse tipo de comportamento também evidencia que a atual liderança da AP é extremamente impopular. De acordo com o Palestinian Center for Policy and Survey Research, numa pesquisa feita entre 26 de maio e 1 de junho deste ano, caso uma eleição ocorresse nos territórios palestinos, as principais preferências políticas domésticas seriam por Marwan Barghouti (do Fatah, que está preso em Israel) e Ismail Haniyeh (presidente político do comitê do Hamas). Para 83% dos palestinos, Mahmoud Abbas deveria renunciar. Esses números comprovam a sensação que se tem das ruas. O presidente palestino é classificado como "entreguista" pela maioria da população.
Com relação à população civil, tive conhecimento de relatos de palestinos que se ressentem da forma como são tratados nas áreas de ocupação por Israel. Há problemas que vão desde o fornecimento de água a prisões arbitrárias de palestinos que são filhos de brasileiras, sem que haja uma denúncia formal. É uma dinâmica parecida ao que acontece nas comunidades do Rio de Janeiro, quando os moradores são vítimas do famigerado "esculacho" por forças de segurança.
O que ficou evidente é a complexidade da situação, principalmente depois do contexto da guerra atual. Qualquer um que proponha soluções simples é um mentiroso. E ela tenderá ao fracasso. A busca pela paz para Israel e Palestina deverá levar em consideração aspectos gerais do conflito, a geopolítica regional, interesses das lideranças, assim como as disputas "casa a casa". Tanto israelenses quanto palestinos possuem um elevado grau de desconfiança mútua que torna muito difícil que eles se sentem à mesa de negociações. Mesmo com todos esses desafios, os israelenses são faróis de cortesia quando você solicita informações, e os palestinos conseguem lhe envolver com sua calorosa simpatia. Hoje, a paz entre os povos parece um sonho distante, mas, apesar do ceticismo, devemos cultivar a esperança de um novo amanhecer na relação entre eles.
Antonio Henrique Lucena Silva, doutor em Ciência Política e Professor da UNICAP
O autor agradece o valoroso apoio recebido do Escritório de Representação do Brasil em Ramallah e os diálogos com israelenses e palestinos.