ANÁLISE | Notícia

'Beleza Fatal' vira fenômeno e aponta caminhos para o futuro das novelas

Primeira novela brasileira criada por um streaming gringo, trama de Raphael Montes preserva o DNA do folhetim e acelera o ritmo para o público digital

Por Emannuel Bento Publicado em 18/03/2025 às 15:22

"Beleza Fatal", da Max, a primeira novela brasileira concebida por uma plataforma internacional de streaming, conquistou amplo engajamento nas redes sociais e consolidou uma base fiel de espectadores em sua reta final.

Com cinco episódios semanais, totalizando 40, apenas o desfecho será lançado nesta sexta-feira (21), às 20h, reforçando a tradição do "último capítulo" ao vivo, característica marcante da TV aberta.

A expectativa gerada se reflete em diversas "watch parties" organizadas nas principais capitais do país, evidenciando o fenômeno cultural que a trama se tornou. No entanto, o mesmo não se pode dizer sobre seu desempenho na Band, com média 1,58 na estreia. A seguir, analisaremos seu impacto no streaming.

Alguns motivos do sucesso

Max/Divulgação
Imagem de divulgação de 'Beleza Fatal', da Max - Max/Divulgação
Adriano Vizoni/Max
Imagem de divulgação de 'Beleza Fatal', da Max - Adriano Vizoni/Max

O êxito se deve à fusão da narrativa clássica do melodrama televisivo — repleta de clichês, exageros e até incongruências com a realidade — com a agilidade estrutural das séries de streaming. O resultado é uma novela que mantém o DNA do gênero, mas adapta seu ritmo para o consumo digital.

"Beleza Fatal" remete a um híbrido entre Avenida Brasil (2012), Verdades Secretas (2015) e Parasita (o filme sul-coreano de 2019), mas com alguns toques adicionais que garantem uma identidade própria. Sua força está, sobretudo, no argumento inicial, um elemento importante para fisgar o público.

A história, centrada em uma vingança, ganha relevância ao se entrelaçar com um debate atual: o embate entre cirurgiões plásticos e esteticistas. Esse pano de fundo confere contemporaneidade à trama.

Outro diferencial é a liberdade criativa proporcionada pelo streaming, especialmente em um cenário televisivo cada vez mais conservador. "Beleza Fatal" explora sem tantos pudores cenas de sexo — inclusive entre personagens do mesmo gênero — e mantém um texto mais naturalista, sem restrições quanto ao uso de palavrões.

Time com afinidade

Fabio Braga/Max
Imagem de divulgação de 'Beleza Fatal', da Max - Fabio Braga/Max
Fabio Braga/Max
Imagem de divulgação de 'Beleza Fatal', da Max - Fabio Braga/Max
Max/Divulgação
Imagem de divulgação de 'Beleza Fatal', da Max - Max/Divulgação

A concepção de "Beleza Fatal" partiu de Raphael Montes, escritor que ganhou notoriedade no audiovisual com Bom Dia, Verônica (Netflix) e os filmes sobre o caso Suzane Richthofen (Prime Video).

Embora seja sua estreia no universo das novelas, fica evidente sua afinidade com o gênero, explorando seus códigos narrativos de forma divertida e com respaldo do experiente supervisor Silvio de Abreu.

Maria de Médicis, veterana dos grandes melodramas das 21h da TV Globo, assina a direção. A parceria entre esses nomes garantiu uma novela que conquistou o público e pode até influenciar futuras produções da TV aberta. No entanto, a Max ainda precisa aprimorar seus processos de produção — a gravação se estendeu por mais de um ano.

É claro, o elenco de peso também serviu de chamariz, com Camila Pitanga, Giovanna Antonelli e Camila Queiroz sendo a principal tríade. Astros como Caio Blat (que foi diretor supervisor), Marcelo Serrado e Herson Capri também enriquecem o elenco.

Pitanga é destaque

Adriano Vizoni/Max
Imagem de divulgação de 'Beleza Fatal', da Max - Adriano Vizoni/Max
Adriano Vizoni/Max
Imagem de divulgação de 'Beleza Fatal', da Max - Adriano Vizoni/Max

O grande destaque, sem dúvidas, é Camila Pitanga, que brilha como a carismática vilã Lola Argento. Sua trajetória é marcada por atos impiedosos — do assassinato do próprio marido à armação que incrimina a prima, culminando em um casamento por chantagem com Benjamin, herdeiro da maior clínica de cirurgia plástica do País.

Lola beira a caricatura, mas sem perder o magnetismo. Todos os elementos de uma vilã memorável estão ali: bordões marcantes ("my love"), figurinos extravagantes e uma risada maléfica tão cruel quanto cômica. É, sem dúvida, seu papel mais emblemático desde Bebel, de "Paraíso Tropical" (2008).

Camila Queiroz (Sofia/Julia) também se destaca ao interpretar uma mocinha atípica, que se afasta bastante da ingenuidade ao longo de sua jornada de vingança. Já Giovanna Antonelli (Elvira) exibe grande sintonia com Augusto Madeira (Lino), formando um casal carismático que sobrevive à base de pequenos golpes.

Entre as atuações, a única ressalva fica para Gabriel (Enzo Romani), que interpreta um policial, filho de Lola e amor de infância de Sofia, mas não consegue imprimir a mesma força de seus colegas de cena.

Mudanças nas novelas

Max/Divulgação
Imagem de divulgação de 'Beleza Fatal', da Max - Max/Divulgação

Com as transformações no consumo de entretenimento nos últimos anos, as novelas tradicionais da TV aberta enfrentam um cenário desafiador. Ainda que mantenham audiências superiores às do streaming, especialmente pela capilaridade da TV Globo, é inegável que o modelo passa por uma fase de adaptação.

A escassez de argumentos cativantes, como o de "Beleza Fatal", somada à previsibilidade na escalação de elencos — quantas vilãs Adriana Esteves interpretou desde Avenida Brasil? — contribui para essa sensação de estagnação. O fim dos contratos de exclusividade também parece ter influenciado essa dinâmica.

Outras novelas já foram lançadas no streaming. "Verdades Secretas 2", do Globoplay, não empolgou. "Todas as Flores" começou bem, mas perdeu fôlego na segunda fase. Já "Pedaço de Mim", da Netflix, não se aproxima tanto do formato tradicional de novela quanto a nova produção de Max.

Caminhos para renovação

Apesar de inconsistências narrativas e do desenvolvimento limitado de alguns personagens, reflexo de seu formato mais enxuto, "Beleza Fatal" aponta caminhos possíveis para a renovação de um gênero essencial para o Brasil e toda a América Latina.

Talvez o público de hoje não esteja mais disposto a acompanhar 180 capítulos ou a tolerar as famosas "barrigas" — aqueles núcleos arrastados que servem apenas para estender a duração da trama.

Mas, independentemente dessas mudanças no audiovisual, a novela precisa continuar sendo novela. E "Beleza Fatal", como o próprio autor já ressaltou, não tem vergonha de assumir ser novela.

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