CARNAVAL 2025 | Notícia

Cultivando a tradição, maracatu supera desafios para se manter como símbolo do carnaval de Pernambuco

Mesmo com dificuldades, maracatus de baque solto e baque virado preservam sua essência e reafirmam importância na cultura pernambucana

Por Thiago Freire Publicado em 03/03/2025 às 7:02 | Atualizado em 03/03/2025 às 11:42

No período carnavalesco, é quase impossível andar pelas ruas do Grande Recife e não ter a atenção capturada pelos cortejos de maracatus, grupos de brincantes com vestimentas imponentes, ornamentadas com adereços e cores exuberantes, que dançam ao som de ritmos eletrizantes e hipnóticos.

Os maracatus são uma tradição centenária surgida em meados do século XVIII entre os povos negros escravizados, como uma forma de celebrar a herança africana, mas com o tempo, a manifestação também ganhou influências indígenas.

Símbolo do carnaval de Pernambuco, os maracatus são uma expressão do sincretismo cultural brasileiro, reunindo elementos de música, dança e religiosidade. Eles se dividem em dois tipos: os de baque virado, ou nação, e os de baque solto, ou rural.

Baque virado e baque solto

As nações de maracatu têm influência mais forte de religiões de matriz africana e são marcadas pela musicalidade ritmada e intensa de instrumentos como as alfaias, além da presença de personagens simbólicos como o rei, a rainha e a dama do passo.

A resistência sempre esteve no coração do maracatu, como explica a Mestra Joana D’Arc, da Nação Encanto do Pina, no Recife. Para ela, essa tradição é mais do que um espetáculo, é um símbolo de luta e identidade. “O Maracatu é essencial à resistência para o nosso povo e faz a cultura de Pernambuco”, afirma.

Divulgação/Encanto do Pina
Mestre Joana e o maracatu Nação Encanto do Pina - Divulgação/Encanto do Pina

Para os maracatus de baque solto, a preservação das raízes é igualmente fundamental. Moca, a presidente do Piaba de Ouro, primeiro maracatu de baque solto de Olinda, fundado por seu pai, Mestre Salustiano, destaca a importância da tradição como um elo entre o passado e o presente.

“O maracatu vem para mostrar a força do povo canavieiro, do trabalhador rural, braçal, mostrar que o maracatu é beleza, é fantasia, é realeza e alegria para o carnaval de Pernambuco”, afirma Moca.

O maracatu rural tem influência de religiões afro-indígenas e é marcado por uma sonoridade mais acelerada, com o uso de instrumentos como taróis e ganzás. Os caboclos de lança, que usam volumosas roupas coloridas, são figuras emblemáticas desse estilo.

 Divulgação/Jan Ribeiro/Piaba de Ouro
Cortejo do maracatu Piaba de Ouro - Divulgação/Jan Ribeiro/Piaba de Ouro

Carnaval é resultado de muito preparo

Para poderem encantar as ruas durante o Carnaval, os maracatus realizam um trabalho árduo ao longo do ano. A preparação envolve planejamento, ensaios, oficinas e confecção das fantasias, que são especialmente caras.

“Quando a gente está na rua desfilando, as pessoas acham bonito, mas não têm consciência de que por trás dessa beleza existe toda uma preparação”, diz Moca.

O trabalho do Piaba de Ouro é realizado na sede pelos próprios componentes da agremiação. Os custos são pagos com o dinheiro recebido por apresentações e por editais públicos, que são incertos e concorridos.

Como não há garantias de contemplação nos editais, muitas vezes os valores precisam ser cobertos pelos próprios membros do maracatu. “A maior dificuldade é ficar dependente de prefeituras e do governo”, diz Moca.

E os custos são bastante elevados. “Para botar um maracatu de baque solto bonito na rua se gasta, em média, de 60 mil a 70 mil reais, além de transporte, alimentação, e do ‘agrado’ que a gente dá para os brincantes”, explica a presidente do Piaba de Ouro. “O dinheiro que a gente ganha não cobre as despesas, você precisa fazer um jogo de cintura”.

Divulgação/Claudio Maranhao/Piaba de Ouro
Moca, presidente do maracatu Piaba de Ouro - Divulgação/Claudio Maranhao/Piaba de Ouro

As dificuldades para manter essa manifestação cultural viva são comuns a todos os maracatus. “A gente que faz cultura popular, além de mestre e brincante, tem que saber ser empreendedor a pulso”, diz Mestre Gilmar, do Maracatu Nação Estrela Brilhante, localizado em Igarassu e o segundo mais antigo do país, com mais de 200 anos de história.

Nem o legado bicentenário, que fez o Estrela Brilhante receber o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco, facilita o trabalho dos brincantes. “Tem que saber tirar o dinheiro de um canto e investir em outro e sair trabalhando com o dinheiro que ganha no dia a dia para o maracatu não falir”, diz o mestre.

ERIKA COSTA/DIVULGAÇÃO
Imagem do Maracatu Estrela Brilhante de Igarassu, o 2º mais antigo do mais - ERIKA COSTA/DIVULGAÇÃO
Divulgação/Estrela Brilhante
Mestre Gilmar, do Maracatu Estrela Brilhante de Igarassu - Divulgação/Estrela Brilhante
ERIKA COSTA/DIVULGAÇÃO
Cortejo do Maracatu Estrela Brilhante de Igarassu, o 2º mais antigo do mais - ERIKA COSTA/DIVULGAÇÃO

Além da brincadeira

Além da preparação para os cortejos do Carnaval, os maracatus desempenham um papel importante de preservação cultural, socialização e apoio nas comunidades de onde fazem parte.

Mestra Joana, da Encanto do Pina, localizada na periferia da zona sul do Recife, chama a atenção para a necessidade de visibilidade para a existência do maracatu além dos períodos de festa.

“No decorrer do ano, fazemos um trabalho árduo com nossos jovens, crianças, adultos, idosos da comunidade, onde a gente realiza várias ações”, diz a mestra. As atividades incluem oficinas, palestras e ações de base assistencial ligadas à saúde, alimentação e atendimento direcionado para as mulheres vulneráveis.

"É muito triste não ter visibilidade e apoio público, não ter quem realmente entenda que o Maracatu é uma ferramenta política de extrema importância dentro das periferias, dentro das comunidades", afirma.

Divulgação/Encanto do Pina
A Nação Encanto do Pina realiza trabalho social com a comunidade local - Divulgação/Encanto do Pina

Para manter a tradição viva

Mesmo com a pouca visibilidade e o suporte incipiente do poder público, os maracatus seguem lutando para manter a tradição de pé. Para isso, as agremiações buscam formas de difundir a herança cultural nas comunidades, atraindo o interesse das novas gerações, para que elas possam dar continuidade a esse legado.

“A gente precisa ensinar, precisar passar, porque um dia a gente parte”, diz Moca, do Piaba de Ouro, que se empenha para transmitir os ensinamentos dentro família Salustiano e na comunidade local.

Ela chama atenção para a necessidade de ensinar não apenas os festejos, mas também a importância e a dificuldade de se fazer cultura popular. “A gente precisa despertar o jovem, para que ele cresça sabendo o que é maracatu, porque fazer cultura popular não é fácil”.

Divulgação/Hugo Muniz/MBS Estrela Brilhante
Cortejo do maracatu de baque solto Estrela Brilhante, de Nazaré da Mata - Divulgação/Hugo Muniz/MBS Estrela Brilhante
Divulgação/Hugo Muniz/MBS Estrela Brilhante
A indumentária do Caboclo de Lança do maracatu de baque solto Estrela Brilhante, de Nazaré da Mata - Divulgação/Hugo Muniz/MBS Estrela Brilhante
Divulgação/Hugo Muniz/MBS Estrela Brilhante
Cortejo do maracatu de baque solto Estrela Brilhante, de Nazaré da Mata - Divulgação/Hugo Muniz/MBS Estrela Brilhante


Nailson Vieira, do Estrela Brilhante de Nazaré da Mata, na zona da mata de Pernambuco, tem apenas 23 anos e já é presidente da agremiação rural, conciliando a função com outras atividades, como a faculdade e a carreira de músico. Para ele, a presença da juventude é fundamental para que o maracatu continue existindo e se mantenha atrativo.

“O olhar novo traz ao maracatu uma posição de diferença em relação ao que era no passado”, diz. Ele afirma que a presença da juventude ajuda a aprimorar o que já existe, como as indumentárias exuberantes do Caboclo de Lança do Estrela Brilhante. “Hoje você vê um apelo visual incrível e vê, olhando para o passado, o quanto isso evoluiu”.

Ao mesmo tempo, Nailson ressalta a importância de preservar a identidade do maracatu. Preservar o trabalho artesanal da comunidade envolvida nos festejos, por exemplo, é entendido por ele como uma prioridade, para manter o papel central dos artesãos criação das vestimentas. “A gente inova, mas sabe até onde pode ir”, salienta.

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